quinta-feira, 4 de março de 2010

Educação Relevante e Direcionada

ANAIS DO XIII SEMINÁRIO DE ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL
TEMA : EDUCAÇÃO SEXUAL

Título: Educação Sexual: Utopia ou uma conquista possível.
Autor: Clerian da Silva Pereira
Orientadora Educacional
Colégio de Aplicação Dom Hélder Câmara
Modalidade: Comunicação Oral

A sexualidade, como possibilidade e caminho de alongamento de nós mesmos, de produção de vida e existência, de gozo e de boniteza, exige de nós essa volta crítico-amorosa, essa busca de saber de nosso corpo. Não poderemos estar sendo, autenticamente, no mundo e com o mundo, se nos fechamos medrosos e hipócritas aos mistérios de nosso corpo ou se os tratamos, aos mistérios, cínica e irresponsavelmente.
(Paulo Freire)





Entre tantos desafios enfrentados por pais e educadores neste final de século as questões relacionadas à vivência da sexualidade na infância e na adolescência têm recebido destaque. Há um mal estar instalado nas famílias, nas escolas e na sociedade quando a discussão é o que fazer com crianças e adolescentes que estão se defrontando com seus próprios desejos e sentimentos: envolvidos por um contexto sócio-cultural marcado pela exacerbação do erotismo, pela banalização das relações e pela coisificação do corpo e da pessoa.
Estamos lado a lado com nossas crianças, consumindo sexo por meio de revistas, filmes, programas infantis ou não, por meio da música e da dança. Sendo assim os profissionais da educação e a família, através do seu relacionamento pessoal e profissional, precisam proporcionar um ambiente saudável, onde o aprendiz organize estas informações recebidas. Educar e educar-se afetivamente e sexualmente, contribui para formar homens e mulheres livres e responsáveis.
Entre os adultos encontramos muito constrangimento em lidar com a sexualidade. Por que tanta vergonha e falta de recursos internos para reagir positivamente às perguntas e manifestação da sexualidade infantil? Por que reações omissas ou mentirosas que vão do “fingir que não ouvi e vi” à ameaça de que a criança vai “se machucar ou pegar bichinhos e sujeira se colocar a mão lá ou se beijar na boca”.
Nesse momento, na verdade, somos fisgados por fantasmas e equívocos, que colocam muitas sombras em nosso bem viver. Boa parte de nós ainda é refém de medos e preconcceitos associados a sexo. Queremos muito – e às vezes até achamos que chegamos lá – conseguir lidar com ele de modo tranqüilo e natural, sem angústia ou receios, como qualquer outro tema intrínseco à vida e que abordamos em nosso dia-a-dia sem ter que repetir as atitudes repressivas que normalmente tivemos como modelo.
Penso que essas constataçôes contraditórias e intrigantes também encontram respostas aí, na nossa fragilidade e confusão, na nossa alienação, resultados de uma sociedade autocentrada, embrutecida, que usa o consumo para aplacar suas angústias e que, portanto, já não sente ou pensa – simplesmente vai no vai-da-valsssa do automatismo.
Estamos falando de um processo maior de manipulação, que alimenta uma subjetividade que sustenta o distorcido processo que vivemos de banalização da sexualidade e que nos dá a ilusão de que vivemos um autêntico e legítimo momento de liberação sexual. Como vemos, assumir novas posições e resgatar o tempo e sentimento perdidos é preciso.
Percebemos em nossa prática que a sexualidade é tema freqüentemente vivenciado e discutido por alunos e professores nas escolas, se não formalmente, em programas de educação sexual ou em aulas de ciências ou biologia, informalmente, nas conversas e relacionamento entre estudantes no cotidiano da escola e nas reuniões pedagógicas dos docentes. O interessante sobre sexualidade no contexto escolar reforça a característica multidimencional do processo ensino-aprendizagem, mostrando que o desenvolvimento cognitivo do individuo é estreitamente relacionado e, portanto, influenciado por seu desenvolvimento pessoal e social, no qual a sexualidade e afetividade têm papéis fundamentais.
A partir de nossa prática, não é difícil constatar que a prioridade, ou seja, a nossa primeira ação dentro de nossa instituição, é na direção de sua opção por retirar a sexualidade da clandestinidade, fazendo com que a orientação sexual deixe o currículo oculto e seja inserida no seu currículo oficial desde a educação infantil, sabendo que esse trabalho é complementar ao da família – precisamos respeitar os princípios religiosos e familiares que os educandos trazem – e não se reduz a falar das diferenças genitais ou somente abordar a questão pelo prisma biológico nas aulas de ciências. Falar de sexo e sexualidade é também falar de gênero, de emoção, de política, de prazer, de história, de culturas, enfim, de cidadania.
A ação seguinte, realizamos um trabalho de “bastidores”. Onde a equipe do colégio e os professores precisam ser preparados, instrumentalizados para que a promoção do trabalho seja garantida.
Além de capacitações, é oferecido a estes professores tempo para troca e reflexão a partir de um trabalho que integre informações e emoção, para que alterações concretas aconteçam. Ter acesso a conhecimento e informações, por si só, não transformam o comportamento. Principalmente quando o assunto envolve valores, tabus, crenças religiosas etc... O objetivo não é “ensinar ou fazer o professor entender na marra” . É um trabalho muito mais de acolhimento que abrirá possibilidades de ressignificação por parte dos adultos envolvidos, pois pretendemos que, através de um processo de formação permanentes, eles desenvolvam recursos internos que lhes dêem subsídios técnicos e emocionais para que se coloquem cada vez mais com espontaneidade e clareza, com segurança e coerência, construindo uma visão gradativamente mais favorável e realista sobre a sexualidade.
A terceira ação desenvolvida pelo colégio, é trabalhar junto a profissionais de saúde que oferecem palestras para os alunos, respeitando a faixa etária e amadurecimento dos educandos. Os temas são definidos junto à equipe técnico-pedagógica, após sessões de classe com a orientação educacional.
Em relação às nossas pequenas crianças, não é difícil observar reações menos estereotipadas e mais espontâneas, de acordo com o desenvolvimento natural da sexualidade infantil, e menos ansiedade, já que suas noções sobre sexo começam a ser construídas numa base que tem como referência respostas verdadeiras e conseqüentemente um vínculo de confiança e esclarecimentos que confirmam ou não as hipóteses que criam sobre o tema – sim, porque crianças desde muito pequenas já pensam e confabulam sobre sexo – evitando a fixação em fantasias que se transformarão, provavelmente, em crença equivocadas.
Além disso, uma série de princípios valores como respeito ao próximo corpo e ao do colega, sexo ligado a amorosidade, aconchego, privacidade, intimidade e questionamento de estereótipos sexuais estarão sendo vivenciados em seu cotidiano, e, finalmente, verbalizados!
Na verdade, o silêncio e a passividade, de nossa parte, abrem cada vez mais as portas para que “tiazinhas e feiticeiras” sejam orientadoras sexuais, por excelência, de nossos filhos e alunos que perdem, a cada investida tão bem articulada da mídia, por exemplo, a oportunidade de construírem noções relativas a sexo a partir de uma crítica madura e consciente evitando, assim, que sejam presas fáceis.
Finalizo questionando a todos nós: o que vamos continuar fazendo com a nossa responsabilidade de formar cidadãos por inteiro?

Referências bibliográficas:
AQUINO, J.G.(org.). Sexualidade na escola. São Paulo: Summus, 1997.
FREIRE, J. et al. O desafio ético. Rio de janeiro: Garamond, 2000.
GTPOS. Sexo se aprende na escola. São Paulo: São Paulo: Pingo D’ Água, 1995.
RIBEIRO, M. Menino brinca de boneca? Rio de Janeiro: Salamandra, 1990.
_______, Mamãe, como eu nasci? Rio de janeiro: Salamandra, 2000.
SUPLICY, M. Papai, mamãe e eu. São Paulo: FTD, 1993.
VERGUEIRO, F. V. Quem é o lobo? Boletim GTPOS. São Paulo, n. 18, jan./abr. 2000.




A ORIENTAÇÃO SEXUAL TRANSVERSA NO PLANO DE AULA ENQUANTO A SEXUALIDADE TRANSITA NA SALA DE AULA

Mariza de Azevedo Brum
Pedagoga, Orientadora Educacional
Especialista em Sexualidade
Prevenção DSTs, AIDS
Chefe da Divisão de Orientação Educacional
Secretaria Municipal de Educação – Cabo Frio/RJ

RESUMO
O presente trabalho visa abrir espaço de reflexão, a respeito da importância da temática Orientação Sexual, bem como da necessidade de se estabelecer, através da Orientação Educacional um Programa sistemático e sistêmico desenvolvido com alunos. Considerando ainda, a relação existente entre a proposta de uma escola formativa, que reconhece a importância do trabalho educativo pedagógico delineado sobre valores e o desenvolvimento da temática sexualidade.
Palavras-chave: Orientação sexual. Orientação Educacional. Sexualidade
O Ministério de Educação e Cultura, em 1997 reconhece a importância da temática sexualidade na educação desenvolvida nas escolas e estabelece a Orientação Sexual como um dos temas transversais além de Ética, Trabalho e Consumo, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural e Saúde. Os temas transversais têm como objetivo ressaltar a importância de trabalhar com valores na educação e, que esses possam contribuir para a formação de uma cidadania plena em busca de uma sociedade mais humana e conseqüentemente mais justa.
Pretende-se, portanto uma educação escolar baseada em princípios que possam valorizar e discutir questões como respeito aos direitos humanos, garantia de igualdade e ação participativa gerando co-responsabilidade na construção da vida social.
Para que isso possa vir a acontecer, a educação precisa estar atenta às necessidades sociais, políticas, culturais e econômicas que gerenciam a realidade brasileira.
O papel da escola transcende então a função informativa e de anexo social, assumindo a formação cidadã como principal eixo no processo educacional.

“A escola apresenta-se aos jovens como um instrumento para o exercício de cidadania, na medida em que funciona como um dos “passaportes” de entrada e aceitação na sociedade e como uma oportunidade de uma possível vida melhor.” (Abramovay e Rua, 2002)

Oportunizar educação de valores nesse espaço, passa a ser um meio para que a escola, juntamente com outras organizações da sociedade civil responsabilize-se pela construção ou manutenção de significados.
Nesse processo a Orientação Educacional desenvolve um importante papel, pois é o elemento, segundo Mirian Paúra “que não tem currículo a seguir, mas o compromisso com a formação permanente no que diz respeito a valores, atitudes, emoções e sentimentos, sempre discutindo, analisando e criticando”. (2003, Site Nova Escola/Carreira)
A Orientação Educacional desenvolve papel de articulação e interação entre toda a comunidade escolar, observando-se ainda a sua atuação como elemento integrante do grupo de gestão escolar, no processo de desenvolvimento do projeto político pedagógico. Sendo imprescindível um trabalho de conhecimento e reconhecimento das demandas sociais, políticas que interferem nas relações e organizações de vida dos alunos. Sendo assim, ao Orientador Educacional compete organizar o processo educativo pedagógico integrado à realidade sócio-cultural, favorecendo o desenvolvimento do ser cidadão. A percepção e leitura são ponto de partida para a análise, porém faz-se necessário ainda, intervir, projetar e planejar ações que contribuam para a construção desse “ser social”.
Quando o tema é Orientação Sexual os objetivos estabelecidos através dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, não estão desvinculados dessa linha e prática educativa. Considerando que a Orientação Educacional pretende desenvolver nos alunos o respeito à diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes relativos à sexualidade.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde):

“a sexualidade humana forma parte integral da personalidade de cada um. È uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado de outros aspectos da vida. A sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais que isso. É energia que motiva encontrar o amor, contato e intimidade, e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e integrações e portanto a saúde física e mental. Se saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada como direito básico.”

A Orientação Sexual então passa a ter um diferencial com relação aos demais temas transversais, se permitindo entender que a busca do prazer é uma dimensão saudável da sexualidade humana. Esse prazer não pode estar desvinculado de sentimentos, de emoção. De acordo com Edward Murray “a emoção pode ter tantos efeitos organizadores e desorganizadores sobre o comportamento. Pode perturbar o comportamento corrente, mas pode também gerar novas formas de comportamento, no sentido do objetivo.” (1971, p.80 e 102:104)
Não se pode ignorar que as reações emocionais em nível do organismo são aprendidas, ou seja, a cultura “escolhe” algumas formas mais adequadas a determinadas situações ou tipo de pessoas (idade, sexo, posição social).
Trabalhar com Orientação Sexual implica ampliar um conhecimento mais profundo dessas questões, o desenvolvimento do trabalho não pode ser de forma meramente conteudista ou informativa, pois se faz necessário reconstruir e ter um entendimento maior das nossas próprias crenças e valores, dos nossos conceitos e preconceitos, trabalhar um novo olhar. Entender o processo histórico, social que trouxe para a escola a temática, mesmo que seja, de forma transversal.
Em 50 anos, o comportamento padrão da sociedade sobre a questão da sexualidade mudou significativamente. No entanto a desinformação ainda é um entrave, pais e educadores negam-se a abordar ou reconhecer a sexualidade nas crianças e adolescentes. Em paralelo têm-se a informação dirigida a atender uma sociedade capitalista, informações trazidas através dos meios de comunicação que acabam distorcendo o sentido da sexualidade humana. Não se pode ignorar que a sexualidade tornou-se produto de consumo, seja no vestuário, produções artísticas, merchandising em geral. Usam e abusam tornando conta de um espaço deixado livre pela família e pela escola.
Na nossa sociedade o tema ainda é tratado com constrangimentos, piadinhas e brincadeiras embaraçosas, contribuindo assim para uma educação sexual confusa. Enquanto isso nossos jovens iniciam sua vida sexual ainda muito cedo, correndo todos os riscos possíveis.
No dia a dia da escola deparamos frequentemente com questões ligadas a abusos sexuais, gravidez não planejada, DSTs, prostituição, pedofilia. Tudo isso vem comprometer a saúde sexual e, consequentemente social dos alunos.
A família então grita e pede socorro à instituição escolar, ao espaço acadêmico que pode desenvolver ações pedagógicas.
Por outro lado a escola, por ser uma instituição que ocupa lugar privilegiado na rede de atenção à criança e ao adolescente precisa promover atividades educativas dirigidas não só aos alunos, mas também aos seus responsáveis. Não basta só informar, é preciso problematizar, produzir debate e gerar reflexão. Enriquecer a discussão em grupo, propiciar elementos de discussão numa área, em que se faz necessário trabalhar com diversos aspectos. Ter uma postura aberta sem deixar de ser científica, abrir espaço para que todos possam expressar-se dizendo o que pensam e o que sentem. Nesse processo de reflexão busca-se a autonomia, a possibilidade de fazer escolhas que sejam mais conscientes.
Quando a Orientação Educacional é acionada, dentro do espaço escolar, para administrar e resolver questões de conflito no cotidiano educacional verifica-se que a base dos problemas existentes está diretamente ligada as dificuldades de relacionamentos. Um programa de prevenção, ou melhor, de promoção de saúde social, visa a amenizar as incidências ou mesmo poder entendê-las com mais clareza, possibilitando uma atuação mais eficaz.
O Orientador Educacional percebe a necessidade de desenvolver um trabalho sistemático e sistêmico, estruturado para atender a diferentes grupos. Um programa sustentado por uma ação que não seja discursiva, mas com reflexão sobre valores, conceitos, pré-conceitos, auto conhecimento, realidade social, referências e interferências dos meios de comunicação na construção do nosso comportamento. As relações afetivas que criam condições para que a sexualidade de cada um possa ser mais bem compreendida. Gerando possibilidades para que os sentimentos e emoções possam ser vivenciados e administrados equilibrando o racional com o emocional.
Oportunizando as nossas crianças e adolescentes o direito de escolhas mais saudáveis e conscientes. Operacionalizando-se esse trabalho em aulas semanais com metodologia adequada, através de oficinas, que levem a permanente troca de idéias, avaliando permanentemente o crescimento e amadurecimento do grupo.
O profissional precisa estar preparado, pois o conhecimento científico não pode ignorar o envolvimento emocional, faz-se necessário um permanente exercício de percepção aliado à sensibilidade.
Nesse trabalho a Orientação Sexual atinge não só seus objetivos, como também se integra aos demais temas transversais.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, instituídas através da Resolução nº. 02/98, vem legitimar a sexualidade como um aspecto de cidadania junto á saúde, à vida familiar e social, ao meio ambiente, ao trabalho, à ciência e tecnologia, à cultura, às linguagens. O Orientador Educacional ao desenvolver a temática, focando a necessidade de reconhecermos a importância de uma convivência social, apoiada em valores existentes, está ampliando a idéia de ética. Ao contextualizar uma reflexão sobre o poder da mídia, no desenvolvimento de um olhar mais profundo sobre merchandising, promove uma análise relacional entre trabalho e consumo. Ao instigar a busca de convivência harmônica do ser humano com seu próprio corpo e o espaço que ocupa, estimula a preservação do meio ambiente. Percebendo a diversidade e os fatores que influenciam a formação de comportamentos existentes, compreende-se a pluralidade cultural. Finalmente, a reflexão objetivando entendimento que cada um tem o direito de exercer com liberdade, autonomia, privacidade e igualdade a sua vida sexual, com acesso à informação, baseada em conhecimento científico, é a garantia da construção de uma cidadania saudável, sexual e socialmente.
A sexualidade passa a transitar pela sala de aula como elemento incorporado ao cotidiano escolar, porém referenciado no trabalho pedagógico educativo da escola.



A OBRA DE CHICO BUARQUE DE HOLLANDA COMO INSTRUMENTO DE APOIO NAS AULAS DE EDUCAÇÃO SEXUAL

POR ANA MARIA MELLO DA SILVA BRITO

Uma das mudanças contidas nos PCN é a adoção dos temas transversais, ainda objeto de dúvidas e controvérsias, principalmente quanto à forma adequada de abordá-los. Nesse contexto, particularmente mais difícil é a situação da orientação sexual, posto que o tema, por si só, traz uma gama de preconceitos, cristalizados nas relações sociais. Por isso, constitui um dos maiores desafios dos PCN introduzir, com sucesso, a discussão transversal sobre sexualidade nas escolas. Tal fato pressupõe, se não a quebra da estrutura tradicional de ensino — em que a sexualidade não é debatida abertamente —, pelo menos o início de um processo educacional marcado pelo desenvolvimento do senso crítico, oportunidade de diálogo e troca de experiências. Todavia, a consecução desse objetivo demanda primeiramente que os profissionais da educação sejam capazes de olhar para a sexualidade humana, eliminando seus próprios preconceitos internalizados.
A maioria dos professores tem mostrado um significante despreparo em lidar com esse assunto, transmitindo aos jovens seus preconceitos e restringindo-o apenas a uma atividade reprodutiva, não considerando as várias formas de manifestação da sexualidade tais como amor, paixão, medo, desejo, sensibilidade e prazer.
Fundamenta-se, portanto, a necessidade de dotar o professor de instrumentos que o permitam lidar com essa questão de natureza tão crucial. Se, por um lado, é bastante evidente que a educação sexual foi incorporada aos PCN como uma “permissão” para o adolescente viver melhor a sua sexualidade, por outro é preciso viabilizar condições que favoreçam uma compreensão do que está sendo permitido vivenciar. Assim, é importante destacar, conforme Andrade Silva (1998:20):

“A credibilidade de quem irá comunicar, além da qualidade de sua interação com o grupo, será fator de suma importância, além do que a mensagem, que irá passar, precisa ser autêntica. Dentre as qualidades das mensagens a serem propostas, é importante que sejam: claras, honestas e seguras”.

As escolhas que nortearam o presente trabalho, que é o uso da música popular como instrumento de apoio nas aulas de educação sexual, refletem essas preocupações. Por isso, buscou-se definir uma estratégia de sensibilização desse jovem, conduzindo-o para elaborações, discussões, reflexões e vivências que, ao serem incorporadas, levá-lo-ão a alterações de comportamento, atitudes e até mesmo de valores. Como elemento facilitador dessa estratégia, optou-se por privilegiar o resgate da dimensão metafórica da sexualidade, através da canção. Indubitavelmente, tal resgate configura-se como uma forma essencialmente reflexiva por conduzir aquele que escuta à busca do(s) significado(s) presente(s) ou sugerido(s) pelas letras de músicas, capazes de vincular a sexualidade ao afeto, como ocorre nas composições de Chico Buarque de Hollanda. As metáforas e as linguagens cifradas usadas pelo autor não tiraram a beleza de suas composições; tampouco reduziram seu trabalho à mera fabricação de vida curta.
Ainda no contexto da sala de aula e, em particular, no que tange à consecução dos objetivos do presente trabalho, é vital que seja valorizado o aspecto lúdico posto que, como nos ensina Piaget (1989), a ludicidade é uma necessidade do ser humano em qualquer idade e não pode ser vista apenas como diversão. A utilização do lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para uma boa saúde mental, prepara para um estado interior fértil, auxilia os processos de socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento.
Tratando-se de música popular, há a natural aceitação do público, mais afeito hoje em dia à audição do que à leitura de textos. Além disso, reafirma-se o inegável triunfo de seu poder de penetração nas massas, através da conjugação poesia-melodia. A letra da música vale-se de sua associação com a melodia, para transmitir, com eficácia, entre o público (até mesmo pelo teor popular que lhe assegura) uma espontânea aprovação em relação aos temas do cotidiano do homem e de suas aspirações existenciais, além de novas formas de relacionamentos afetivo-sexuais.
A música de Chico Buarque permite-nos uma aproximação vida / escola, escola / vida. O texto buarqueano está envolvido com o popular e comporta uma rica elaboração formal sintática e semântica, seguindo os critérios sofisticados de forma e conteúdo. Isso o torna um poeta maior e não apenas um compositor. Nessa perspectiva, confirmamos que a obra buarqueana é elaborada numa linguagem na qual ecoam-se textos diversos (revelando a importância da intertextualidade para recepção e produção de novos textos) e o alto nível da perfeição artística com a integração completa entre letra e música.
A relevância do presente estudo estabelece-se, em particular, frente à carência de instrumentos e estratégias que favoreçam a atuação do professor em sala de aula, na abordagem da sexualidade como tema transversal. Nesse contexto, tratar a educação sexual com apoio na arte, que existe na MPB, é uma possibilidade maior para o docente, posto que o interesse é base de qualquer aprendizado e o interesse pela arte, em geral, e pela música e dança, em particular, parece ser uma constante entre os adolescentes.
O espaço de produção de saberes deve ocupar todo o campo em que as pessoas compartilhem vivências, valores, sentidos, identidades, não se limitando à escola. Todavia, a mesma é o lugar privilegiado onde o professor deve criar condições para que o aluno obtenha uma aprendizagem efetiva e entendida como mudança de comportamentos, atitudes e valores. Relacionar as atividades do cotidiano com as atividades escolares é um meio de integrar o aluno à comunidade em que vive, conferindo direção e sentido às suas experiências, é uma maneira de engajá-lo no processo cultural do país.

À procura de novos horizontes...
 A música de Chico Buarque de Hollanda revelou-se um elemento facilitador da discussão dos temas relativos à emoção e à sexualidade entre adolescentes.
 A educação sexual não se restringe aos conteúdos das disciplinas de Ciências ou Biologia e pode e deve ser trabalhada em todas as disciplinas, em uma perspectiva análoga àquela que orientou os PCN.
 É necessário que se faça, da educação sexual, uma pedagogia do prazer; a relação aluno / professor é da ordem da cumplicidade, feita de uma crença amorosa, na possibilidade de que o aluno tem de desenvolver seu trabalho.
 Criar novas estratégias para os professores permitir-lhes-á manter o interesse em trabalhar a orientação sexual de seus alunos, sem se deixarem levar pela “roda-viva”, que os faria desistir de continuar como educadores sexuais.
 Não deve existir palavra final sobre o tema sexualidade. A discussão deve continuar, seguindo as transformações por que passam as normas morais num determinado momento histórico.
Ao sentir, ao pensar, ao falar sobre sexualidade, aprendemos que temos responsabilidades para conosco e com os outros. Por que estigmatizar o sexo? Por que compará-lo ao mal? Por que considerá-lo como um problema?
Nosso desejo é ter contribuído para ampliar seus benefícios.
E agora, o que será? “O que não tem cansaço, nem nunca terá / O que não tem limite, nem nunca terá / O que não tem censura”.

GPV/RJ
GRUPO PELA VIDA / RIO DE JANEIRO
ANA MARIA BOM TEMPO

RESUMO Projeto Viva Voz, criado pelo GPV/RJ em 1989, iniciou através de palestras a prestar informações à população sobre as formas de infecção e prevenção das DST/Aids e práticas de sexo seguro. A partir de 2001 foram introduzidas, dinâmicas de grupo, oficinas de sexo seguro e preconceito e treinamentos de capacitação para multiplicadores. Em 2004, foi criado o esquete teatral por ser uma metodologia de fácil aplicação e atrativa para audiência. Os papéis são desempenhados pelos monitores do projeto, os quais transmitindo emoção, se propõe a conseguir um maior engajamento dos presentes na prevenção da Aids. Situações apresentadas no esquete motivam a discussão que se segue, quando dúvidas são esclarecidas e informações são acrescentadas.


Juiz de Direito Rubens Casara e Desembargador Siro Darlan de Oliveira
A barbárie chama à razão Por vezes é necessário refletir sob o óbvio: violência gera violência, ilegalidade gera ilegalidade, numa espiral infinita. A barbárie não encontra seu antídoto na própria barbárie. Os recentes acontecimentos que assolam e assustam o Brasil, que se iniciaram em São Paulo, mas se originam da adoção acrítica em todo o país de uma política criminal excludente e genocida, acabam por revelar, desnudar, o complexo conflito social que as classes dominantes insistem em descontextualizar e simplificar redefinindo-o como mero caso penal, como problema de polícia. O Estado, que se apresenta como a reserva de razão, sonega cotidianamente direitos, age ilegalmente, trata com desumanidade presos, condenados ou não, descuida de suas crianças e adolescentes, não tem legitimidade para cobrar respeito à sua desprestigiada legislação. Assiste-se aos agentes encarregados da persecução e repressão aos crimes praticarem novos crimes sob o argumento da defesa da ordem, respaldados na cultura autoritária da sociedade brasileira, que se acostumou em confundir autoridade com autoritarismo, e no apoio de parte da população que acredita na divisão maniqueísta da sociedade entre o bem e o mal, quase que se esquecendo da tolerância com que trata das ilegalidades próprias da classe média, da sonegação de impostos à retenção do INSS de seus empregados, da direção embriagada à receptação de produtos eletrônicos contrabandeados. As notícias da morte de mais de cem pessoas, inclusive da mãe de um apenado, apontadas por seus executores como ligados à "criminalidade organizada" (que só merece esse adjetivo se comparada à desorganização do Estado), retrata a visão deformada de quem acredita que a brutalidade policial, que a prática de crimes, podem conter outras formas de ilegalidade, outras brutalidades, outros crimes. Parte da imprensa, anestesiada pelos fatos, acredita na metáfora de "guerra civil" entre os criminosos e os agentes da segurança pública, quando na verdade, a análise cuidadosa dos dados estatísticos aponta para verdadeiras execuções sumárias. Numa guerra existem baixas dos dois lados: na ocasião da morte dos policias, apenas estes eram executados, não existiram baixas do outro lado (ou, se existiram, foram em números que impedem qualificar o confronto como paritário). No momento da morte dos cidadãos rotulados de criminosos (frise-se: mais de cem), apenas estes morreram. Não houve confronto real, não há guerra: há crimes praticados pelos dois lados dessa luta social em torno de uma política que vê no sistema penal um instrumento de manutenção das desigualdades, apenas uma forma de controlar a miséria e as populações desfavorecidas. Não se pode tratar como inimigos da sociedade os filhos e frutos dessa mesma sociedade, que cria necessidades artificiais em busca de lucro, mas que se esquece de fornecer condições para que todos se satisfaçam. A classe política, chamada à indignação limita-se a reproduzir o senso comum forjado na desinformação, cria mitos sem respaldo em dados empíricos ou estudos sérios, sugere e produz legislações de emergência que agravam o tratamento penal na exata medida em que agravarão o caos penitenciário e social, fruto de uma legislação penal seletiva, que não atende, nem pode atender, aos fins a que se destina. Não há qualquer reflexão. Não se indaga se a lei dos Crimes Hediondos diminuiu a criminalidade. Não se pergunta se o aumento da pena para o delito de porte de arma diminuiu a quantidade de incidência dessa conduta criminosa. Para a superlotação carcerária surge leis que aumentam as penas e agravam as condições para o cumprimento dessas medidas coercitivas. Pretende reformar a Lei de Execuções Penais que nunca foi inteiramente aplicada, que nunca saiu do papel, seja por falta de verbas, seja por falta de vontade política. Paradoxalmente, declara buscar a ressocialização dos indivíduos retirando-os cada vez mais do convívio social, anulam suas individualidades, os tratam como animais, e espera que retornem dóceis à sociedade. Ingenuidade ou má-fé? Recentemente um documentário do rapper MV Bill e Celso Athaíde trouxe perplexidade aos lares brasileiros no horário nobre ao mostrar a falta de possibilidade das crianças exercerem sua cidadania e a forma cruel como são "adotadas" pela criminalidade ante a ausência de políticas públicas que lhes garantam um mínimo de dignidade. Essas crianças crescem e habitam o mesmo sistema penitenciário que hoje dá sinais de inconformismo. Quais as medidas anunciadas pelas autoridades para enfrentar esse descaso oficial, além da simples indignação estampada no dia seguinte nos jornais do país? Oxalá neste momento, em meio à onda de barbárie, chame-se a razão ao debate. Isso significa aceitar que entre os paradigmas da tolerância ao crime e da repressão desproporcional existe a opção do paradigma da compreensão, ligado aos esquecidos ideais de fraternidade, que vê a punição como necessária, mas como um ato de amor ao próximo e não de ódio. O Estado não pode se equiparar ao criminoso, a este cabe o monopólio da violação da lei, da mesma forma que ao Estado cabe o monopólio do uso lícito da força, nos estritos limites em que se faça necessário. A violência vingativa é incompatível, portanto, com o Estado de Direito. A razão introduz no debate a certeza de que o direito à segurança é, por definição, um direito secundário. Explica-se: ao se falar em segurança, refere-se à segurança de um outro direito, este sim primário (segurança da vida, da integridade física, do patrimônio, etc). Enquanto o Estado não atender aos direitos primários, isto é, fornecer condições objetivas à vida digna, à saúde, à educação de cada cidadão, independentemente de sua classe social, a segurança pública, com todos os seus instrumentos, só será utilizada como arremedo para o caos social ou na manipulação do sentimento de medo da população. Espera-se, enfim, que a barbárie, em meio ao espiral de violência, force ao renascimento da razão como resposta ao caos que nasce da irracionalidade.

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