sexta-feira, 7 de maio de 2010

Artigo Acadêmico

Relevante a proposta acadêmica inserida no trabalho dos professores:

Antonio Ricardo Penha
Teólogo, Msc em Filosofia Cristã. Doutorando em Teologia. Pós-graduando em Ensino de Filosofia e Sociologia pela FTC. Psicanalísta didata, Bacharel e Licenciado em Teologia (1993) com validação do MEC pelo Centro Universitário de Maringá / PR (CESUMAR), Graduando em Pedagogia pelo Instituto A Vez do Mestre (UCAM), Professor de Metodologia da Pesquisa Cientifica do SMP; Articulista do Jornal Sul Fluminense, Membro da Ordem dos Jornalistas do Brasil, Membro da Associação de Professores de Missões do Brasil,OMEB, ABEAD, Docente da Disciplina de Teologia Sistemática, Autor de O Adoecer Psíquico da Nação-Editora Litteris, Autor / Organizador do Livro LABORATÓRIO DE PROJETOS DE QUALIFICAÇÃO EM LIBRAS: A VALORIZAÇÃO DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS NO ENSINO SUPERIOR pela Quártica Editora RJ.Organizador do Livro "Diferentes contextos em Educação"- Quartica Editora RJ 2009. Coordenador do Ch Penha Projetos Educacionais.

www.penhaki.com.br/chpenha http://chpenhaprojetoseducacionais.blogspot.com/ e

João Henrique Lacerda Ferreira, Profissional da àrea de Projetos, graduando de Pedagogia do Instituto A Vez do Mestre, na Cidade do Rio de Janeiro.
O Artigo foi apresentado na Universidade Federal de Santa Catarina, em evento internacional do ARIC.


D A S L I B E R D A D E S E D O S P E R M I S S I V O S

C O N S T I T U C I O N A I S N O D E S E N V O L V I M E N T O

D E P O L I T I C A S E D U C A C I O N A I S

D O P O V O B R A S I L E I R O

E D A N E C E S S I D A D E

D E C A P A C I T A Ç Ã O D O

P R O F I S S I O N A L N O L I D A R

D E S S A R E A L I D A D E




Autor: João Henrique Lacerda Ferreira / Antonio Ricardo Penha.

RESUMO
Muito se tem falado sobre Ensino e Educação, a diferença entre ambos, bem como que a nossa legislação parece fazer confusão entre os dois termos, muitas vezes tratando-os como sinônimos.
Esse trabalho visa demonstrar que não só os termos não são sinônimos, e que apesar de significados parecidos, tem cada qual o seu significado próprio; bem como que, o legislador, ao escrevê-los na Constituição, o fez de maneira precisa, para delimitar e limitar o papel do Estado nesta área, bem como proteger a sociedade, principalmente as minorias, garantindo assim a pluralidade cultural, base do Estado Democrático de Direito.
Desse trabalho sai o alerta de que a confusão, ao contrário do que se pensa, não foi feita pelo legislador, mas pela sociedade, em interpretar mal o papel do Estado na área da Educação. Sai também o alerta da necessidade de capacitar o profissional na área de Educação para o gigantesco desafio que temos pela frente: O de instrumentalizar e chamar a sociedade para o discutir do seu papel no processo educativo, fomentando a parceria Estado- Sociedade, necessária ao desenvolvimento da Educação nos moldes dos permissivos constitucionais e legais, sob risco de potencializar o atual caos em que a mesma se encontra.

METODOLOGIA
Esse trabalho foi desenvolvido através de leitura de livros na área de Direito, aliado ao conhecimento adquirido no Curso de Direito da Universidade Candido Mendes, campos localizado na cidade de Campos dos Goitacazes, Estado do Rio de Janeiro, nível de bacharelado, com duração de 12 semestres, interrompido após os primeiros 5 semestres, acrescidos do primeiro semestre do curso de Pedagogia, graduação a distância, da Faculdade Veiga de Almeida, Núcleo Rio de Janeiro.
O tema apareceu com a leitura detalhada da Constituição, na disciplina Legislação Educacional, ministrada pelo Prof. Carlos Leocadio, onde o comentário de um dos colegas de sala no qual a legislação parecia ser confusa, pois hora se referia a Ensino, hora à Educação, o que confundia a interpretação do texto, pois o profissional na área de Educação sabe haver diferença entre os dois termos, coisa que o legislador parecia ignorar.
Inclinado a concordar com o comentário, tendo cursado os primeiros semestres do curso de Direito, veio-me a curiosidade de entender se o legislador havia ou não se equivocado com os termos. Assim, fiz ampla pesquisa sobre como os artigos referentes à Educação foram inseridos na Constituição, a história da atual LDB, bem como adicionei os conhecimentos que tinha da área de Direito, de Pedagogia (Curso atual). Foram também adicionados conhecimentos de História e Filosofia (Grandes pensadores como Karl Marx e Russeau) e outros ao longo da vida; o que deu origem ao trabalho que agora apresento.
O trabalho de pesquisa foi feito em parceria com o colega de turma Antônio Ricardo; o qual, com os seus conhecimentos ecléticos, enriqueceu o mesmo de maneira ímpar.

1. Introdução:

Muito se tem falado sobre uma possível confusão na Constituição no tocante aos termos Educação e Ensino. Alguns especialistas dizem que o legislador se confundiu na utilização dos termos citados, bem como que o desejo era de se falar em Educação.
Este trabalho visa demonstrar ao contrário: O legislador não se confundiu como os termos, os tendo utilizado de maneira intencional e precisa. Para provar esse ponto, falaremos um pouco sobre Ensino, Educação. Os limites das obrigações do Estado no suprimento de ambos. Faremos análise do texto legal levando em consideração uma interpretação literal da Constituição de 1988, bem como adicionaremos uma interpretação mais profunda, baseada em noções e princípios da atual legislação pátria. Somar-se-á, a essas, análise histórica da situação pós ditadura nos anos de 80 no Brasil (Ocasião em que a constituição foi promulgada); bem como uma análise sobre os princípios que se fundam o nosso atual Estado Democrático de Direito.
O trabalho pretende apontar as implicações dos limites impostos ao Estado pela legislação atual, bem como os problemas que esse limite pode causar a sociedade, além de apontar soluções para a atual realidade de Direito.
Para desenvolver o proposto, daremos por definições dos termos Ensino e Educação, a diferença entre eles e a problemática de um Ensino desprovido de Educação; para então passarmos, de forma sucinta, sobre o que hoje se encontra escrito na Constituição. Discorreremos sobre a origem do Estado Democrático de Direito, correlacionaremos Ensino / Ideologia / Utopia, explanaremos os riscos da manutenção ou retirada dos entraves legislativos à atuação do Estado, finalizando com o apontar de possíveis soluções para as situações apresentadas.


2. Desenvolvimento:
a) Da Diferença entre Ensino e Educação:
Ensino: “Forma sintética de transmitir conhecimento, como também é um dos principais aspectos, ou meios, de educação.” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI.Lexikon Informática Ltda.1999).
Educação: “Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI.Lexikon Informática Ltda.1999).

Apesar de, em princípio, parecerem sinônimos, existe uma diferença entre Ensino e Educação. Sobre o assunto, nos diz Albino Spohr, em seu artigo publicado no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, no dia 17/10/2006:
“O ensino, que é instrução, se dirige ao intelecto e o enriquece. A educação visa aos sentimentos e os põe sob o controle da vontade. Assim, pode-se adquirir um ótimo caráter de conduta com pouca instrução, o que já permite viver feliz. Por outro lado, pode ser cultivado, sem nenhuma educação, um péssimo caráter de conduta, que será tanto pior quanto mais instrução houver - é aqui que se enquadram todos os corruptos e grandes golpistas que tiveram muito ensino e pouca educação, e que nunca serão realmente felizes.”
Dessa forma, há uma diferença entre: Ensino e Educação; onde Ensino é parte de um processo mais amplo chamado de Educação; sendo o primeiro finalizado no transmitir sintético de um conhecimento, enquanto o segundo reveste-se no agregar valores ao conhecimento transmitido; valores esses necessários ao convívio e à integração do indivíduo na sociedade de forma harmônica e produtiva.
Dessa forma, Ensino está relacionado à transmissão de conhecimentos, enquanto Educação à transmissão de valores; existindo uma grande problemática de Ensino (Transmissão de conhecimento) sem a responsabilidade do Educar:: O agravamento do caos social em que o país se encontra.
É importante se frisar esse ponto, pois, durante anos, se apontou a necessidade de investimentos do governo nas redes de ensino como a grande solução para a problemática social brasileira (Construção de escolas, contratação e pagamento digno de professores, chamada de alunos à sala de aula, etc....); não havendo ninguém ainda que trouxesse o conceito de que Ensino sem Educação tem o efeito contrário do desejado, pois instrumentaliza com conhecimento pessoas que, sem a ética , sem moral e valores sociais, que vem da Educação, tenderão a usar esses conhecimentos não para o bem estar social, mas para o bem estar próprio, sem ligar para as suas conseqüências dentro da sociedade.


b) Da Legislação:
A Constituição Federal (CF), no seu Art. 6, reza: São direitos sociais a educação”,..., “na forma desta Constituição.”.
Assim, o Art. 6, apesar de garantir como Direito a Educação, também afirma que esse Direito será regulamentado na própria Constituição. Além do mais, o Art. 6 também preconiza que Educação é um Direito Subjetivo (Direito Subjetivo é aquele passível de ser exigido por qualquer pessoa, à qualquer tempo. É o Direito que pertence a todo e qualquer Sujeito.).
Art. 205::diz que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”,
Dessa feita, o Art. 205 diz que além do Estado, a família e a sociedade também tem o DEVER de fornecer Educação ao indivíduo.
Apesar de importante, a palavra Educação, no texto constitucional, desaparece depois do citado artigo, passando a aparecer outra, que é Ensino. Transcreverei abaixo os dizeres:
“Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.”
Já no Art. 209, lê-se: “O ensino é livre à iniciativa privada”
Chamo aqui a atenção que, exceto nos casos de portadores de deficiência e de educação infantil, nos artigos citados, a palavra encontrada no texto legal é ensino, e não educação.
Os grifos colocados nos artigos da constituição são nossos.

c) Das Interpretações Jurídicas:
O fato acima (Presença maciça da palavra ensino no lugar da palavra educação) também chamou a atenção de inúmeras pessoas; seja da área da Educação, seja da área jurídica. Dentre os juristas, temos Serrano Neves e a Professora / advogada Dâmares Ferreira. Em trabalho disponível no site “Acervo da Página Pessoal de Serrano Neves” (http://www.serrano.neves.nom.br); no documento de link http://www.serrano.neves.nom.br/MBA_GYN/edsoc01.pdf; temos a seguinte interpretação:
“Pelo o exposto, é possível concluirmos que a educação é um gênero do qual a educação escolar é uma espécie. Não obstante, neste trabalho, trataremos principalmente do direito social à educação escolar, garantida pelo constituinte a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, nos termos prescritos no art. 208 e art. 209, da Constituição” (FERREIRA, Dâmara)

A interpretação de Dâmara Ferreira, e de outros juristas, se dá por Integração, onde se integram vários textos legais para se chegar a uma interpretação do que os mesmos querem dizer.
Essa operação de integração se dá ao olharmos o primeiro Artigo da atual LDB, onde as palavras Educação Escolar aparecem. No dito Artigo, o termo Educação Escolar aparece como sendo Educação obrigatória a ser fornecida pelo Estado.
A Integração, no entanto, não é o único instrumento para interpretação da legislação. Um dos instrumentos é a história, isso é, de onde vieram os termos, como foi feita a Lei, em que contexto, em que realidade histórica os mesmos apareceram; sendo um outro instrumento a tentativa de descobrir a vontade do legislador.
Antes de entrarmos sobre esses aspectos, gostaria de adiantar um contra-ponto à interpretação dada acima. Para isso é necessário lembrar que a constituição foi elaborada em 1988, ocasião em que a LDB estava em tramitação. Já sabendo os constituintes da nova LDB, desejaram que a mesma não nascesse inconstitucional. Dessa forma, trouxeram para o corpo da constituição os principais princípios da nova Lei, de modo que, a mesma, ao nascer, estaria em consonância com a Lei maior.
Tendo isso em tela, que a LDB estava em tramitação e só foi sancionada 8 anos depois, sofrendo modificações em seu texto de 1988 (Data da constituição) até 1996 (Data em que foi sancionada), é que podemos entender que, possivelmente, possa haver equívoco na interpretação acima.
O termo Educação Escolar não constava no corpo da LDB em 1988. Ele foi incluída posteriormente, nas diversas modificações que a Lei teve entre 1988 e 1996, pelos motivos que apontarei abixo:
1) O termo Educação Escolar esta no primeiro Artigo da LDB, e teria sido notado logo pelos constituintes. Apesar disso, esse termo não aparece na Constituição em lugar algum.
2) Utilizar o termo Educação Escolar pouparia o trabalho de escrita dos artigos constitucionais (Utilizar Educação Escolar seria melhor do que fazer um verdadeiro balé, utilizando hora o termo ensino, ora o termo educação)
3) Os termos Educação e Ensino tem significados diferentes para os profissionais na área da Educação, e um dos principais idealizadores da nossa LDB foi o falecido Darcy Ribeiro, que era um profissional da área. Assim, os termos foram utilizados não por um legislador que nada entendia dos mesmos, mas por um legislador que pertencia à área da Educação, e que estava ciente de seu significado e da realidade histórica da Educação no nosso país.
Dessa feita, a conclusão lógica é que, em 1988, data de promulgação da constituição, o termo Educação Escolar, hoje no corpo da LDB, ainda não existia. O termo, provavelmente, foi inserido durante o processo lento de revisão da LDB, entre 1988 e sua promulgação em 1996.
Dessa feita, colocado o adendo que, apesar do trabalho de integração dos nossos juristas ser importante para a interpretação da legislação pátria, faz-se necessário uma releitura da história para se tentar chegar a uma interpretação mais adequada da Lei.

d) Educação, Estado Democrático de Direito, Ideologia e Utopia:
Como já dito, um dos meios de interpretação da Lei é o de descobrir a vontade do legislador. Para isso, faz-se necessário discorrer sobre os princípios em que se assenta o Estado Democrático de Direito, bem como conceitos sobre Ideologia e Utopia; o uso histórico da Escola pelas classes dominantes como Aparelho Ideológico do Estado, bem como uma vista sobre o momento histórico vivido em 1988, ano em que foi promulgada nossa atual constituição.
i. Do Estado Democrático de Direito:
Dâmares Ferreira, no mesmo escrito citado acima, nos ensina: “A palavra ‘Direito’ é polissêmica,” .... “Neste trabalho, utilizaremos-na aliada ao predicativo Positivo para significar um complexo de normas jurídicas existentes em determinado momento histórico e em dado espaço territorial.”
Dessa feita, o primeiro conceito do mundo do Direito, necessário ao nosso entendimento, é o do Positivismo Jurídico.
O nosso sistema jurídico é POSITIVISTA, ou seja: O Direito se consagra quando escrito, na forma da Lei. Outro conceito é de que há uma hierarquia entre elas (as Leis): Da mais elevada, que é a Constituição ou Lei Magna, passando por Leis Complementares, que complementam o texto constitucional e têm força de Constituição, indo para as Leis Ordinárias, ou infra-constitucionais, que estão subordinadas à Constituição, descendo para os Decretos, que são dispositivos que regulamentam as Leis na esfera operacional e assim por diante.
Dessa forma, temos o Estado Democrático de Direito, que é o Estado que se forma sob o império normativo da Lei ESCRITA, em um regime democrático. Note que falei que o Estado se forma sob a Lei; ou seja: O Estado obedece a Lei e não pode ficar acima Dela; Lei essa que é positivada, escrita, na Constituição, que é o constitutivo do Estado. Assim, o Estado tem o seu poder limitado ao que a Lei preconiza (Ex: O Estado não pode entrar em sua casa sem a sua permissão, a não ser com ordem judicial, e mesmo assim nunca de noite.).
O outro princípio é o que se refere ao sistema de Liberdades e Garantias Individuais. Da mesma forma que o Estado tem o seu poder limitado pela Lei, o indivíduo tem os seus Direitos assegurados por ela; bem como os deveres também nela escritos. Vale a pena destacar a teoria jurídica de que para cada Direito que uma pessoa tem existe um dever ou obrigação correspondente. Pela teoria acima, se existe um Direito de um lado, existe um dever do outro, em uma espécie de contabilidade, onde os débitos e os créditos se compensam. Chamo a atenção para esse ponto, pois, se o indivíduo tem o Direito à Educação, é necessário que alguém tenha o dever de fornecê-la.
Por fim, e não menos importante, a diferença entre os limites de atuação do Estado e do indivíduo. O Estado só está autorizado a fazer algo se estiver regulamentado em Lei. Essa é a grande dificuldade do Estado no agir: Se não houver uma Lei que autorize, o Estado nada pode fazer. Um exemplo claro é a Lei de Diretrizes Orçamentárias. O governo só pode gastar se autorizado pela Lei, onde a Lei diz, e em quantidade estabelecida por Ela. Para o indivíduo, no entanto, a Lei funciona ao contrário: o indivíduo tudo pode, a menos que a Lei o impeça. Isso quer dizer que, a menos que a Lei proíba, ou regule ao contrário, tudo se é lícito fazer. Em teoria do Direito eu, como indivíduo, tudo posso, a menos que a Lei diga ao contrário. Ao Estado a Lei precisa autorizar . Ao indivíduo, a Lei precisa limitar.
Esses princípios vieram do Estado Liberal idealizado por Rousseau. Para Rousseau, o homem era bom por natureza, e o convívio social o corrompia. Assim, para que o homem não fosse corrompido pela sociedade, era necessário diminuir a influência do meio social sobre ele, de tal forma que o mesmo pudesse encontrar o seu desenvolvimento naturalmente. Então, como dizem os teóricos, já que o Estado representa uma sociedade legalmente instituída, faz-se necessário, no Estado Liberal, conforme idealizado por Rousseau, limitar o poder do Estado e expandir a Liberdade do indivíduo.
Esses princípios, e o da divisão tripartite do poder estatal, moldaram as concepções do Estado Moderno, abrindo alas para os Direitos Humanos, princípio norteador das liberdades do indivíduo e limitador do Estado moderno.


ii. Valores, Ideologia e Utopia:
Em seu livro Ideologia e Utopia, Karl Mannheim discorre sobre esses termos. Para Mannheim, ideologia constitui um conjunto de idéias, concepções e teorias que se orientam para a estabilização ou legitimação da ordem estabelecida; onde se enquadram todas as doutrinas de caráter conservador no sentido amplo da palavra.
Assim, para o autor, ideologia seria o conjunto de idéias e valores da classe dominante, enquanto utopia, ao contrário, são aquelas idéias, representações ou teorias que aspiram a uma outra realidade, uma realidade ainda não existente.
Dessa forma, enquanto ideologia se relaciona ao conjunto de valores das classes dominantes, utopia se relaciona ao conjunto de valores de grupos não dominantes, ou revolucionários.
Ideologia e utopia estão relacionadas a conjunto de valores de um determinado grupo ou classe. Vale lembrar que, o que é utopia para um grupo pode ser considerado ideologia para outra. Por exemplo: Para o Partido Comunista do Brasil (Para um grupo dominante de ideologia comunista), comunismo é ideologia, pois o grupo dominante do partido tem idéias e valores ligados ao comunismo; sendo o valor não dominante o capitalismo, este passa a ser a utopia. Dessa feita, uma das utopias em um grupo dominante cuja ideologia seja o comunista, seria o capitalismo.


iii. Uso Ideológico da Escola pelo Estado no Decorrer da História:
Muito se tem falado sobre o da Escola como AIE (Aparelho Ideológico do Estado). Para nós basta dizer que, como um dos principais fornecedores de Educação, no decorrer da história, o Estado moderno, assaltado pelas classes que o dominam, apropriou-se do Ensino, agregando a este os valores que achava importante (Ideologia) para a perpetuação do status quo das classes dominantes na sociedade, formando uma Educação voltada aos interesses dessa mesma classe.
Assim, no decorrer da história moderna, vemos o Estado atuando na educação como meio de se manter o status quo das classes dominantes na sociedade.
Como consolo, vale lembrar que, historicamente, nem sempre o valor agregado ao Ensino foi de cunho Ideológico. Em alguns momentos foi de cunho Utópico. O exemplo disso no Brasil foi a Educação Universitária, na época da ditadura militar, que recheou o seu Ensino com Utopias (No sentido de Valor antagônico ao da classe dominante), mesmo ao custo de prisões, mortes, exílio, o que possibilitou a retomada do Estado Democrático de Direito do final dos anos 80.


iv. Do Oferecimento de uma Nova Interpretação:
Dessa feita, ao meu ver, o legislador utilizou intencionalmente a palavra Ensino no texto constitucional, deixando de utilizar, também intencionalmente, a palavra Educação no seu lugar.
Saídos de um período ditatorial de mais de 20 anos, os legisladores brasileiros, ao final do século XX, respiravam um novo ar de liberdade com euforia. Desejosos de varrer para sempre a possibilidade da volta da ditadura, passaram a rechear a Constituição de Direitos de forma intensiva e extensiva (A nossa Constituição é considerada uma das mais extensas do mundo); tendo sido crítica constante que a mesma trata em seu texto de matéria que poderia ser regulada em Lei Ordinária (Licença maternidade, licença paternidade, aposentadoria, etc....).
O legislador assim o fez para consagrar esses Direitos; de modo tal que se tornasse difícil suprimi-los, pois, se a uma Lei Ordinária, para alterar, necessária se faz maioria simples (Metade mais um dos votantes presentes), para regras constitucionais faz-se necessário maioria absoluta (2/3 de votantes). Dessa forma, por ser mais difícil modificar a Constituição do que as Leis Ordinárias, e não podendo estas irem contra a Constituição, os constituintes rechearam a Constituição de Direitos como forma de garanti-los e de dificultar a sua subtração.
Nessa mesma ótica, os constituintes não só colocaram, como também detalharam os Direitos dos Indivíduos e da Sociedade, como também detalharam as obrigações deveres do Estado (Que iriam corresponder a Direitos do cidadão e limites desse mesmo Estado, do outro lado).
Dessa feita, de um lado, ao escreverem os dispositivos constitucionais, que falam sobre o Direito à Educação, o constituinte desejava sacramentar esse Direito para toda a população em geral, no entanto, desejavam também limitar o poder do Estado, limitando esse mesmo Estado ao fornecimento e manutenção de um Sistema de Ensino, que é a parte mais cara da Educação; deixando a complementação do Ensino, para que este chegue à Educação, nas mãos da sociedade. Fez isso o legislador para evitar que o Estado utilizasse a Escola como Aparelho Ideológico, evitando assim a propagação da Ideologia das classes dominantes e garantido a pluralidade cultural ideológica dentro da sociedade, condição para uma sociedade pluralista e democrática.


3. Dos Impactos e da Atual Situação. Problemas e Soluções:
Como disse Albino Spohr, no texto citado no início desse trabalho, Ensino desprovido de valor, sem se tornar Educação, pode, potencialmente, aumentar exponencialmente os problemas sociais no lugar de resolvê-los. O fornecimento de Ensino, sem a devida Educação; bem como o aumento da desigualdade social, coloca potencialmente a sociedade brasileira sob um barril de pólvora sem precedentes em sua história.
Ocupados com o prover, e já sem uma base Educacional há algumas gerações, independente da classe; deixam as famílias os seus filhos entregues à formação escolar, tendo a visão de que o Estado está fornecendo Educação, enquanto, na realidade, está fornecendo Ensino; ou seja: Uma Educação desprovida de Valor.
Dessa feita, independente da classe social, existe um verdadeiro VAZIO deixado pela família, que é a Educação, que o Estado não vai e não está autorizado a suprir.
Desprovido de valor, e atordoado com os exemplos sociais e contra-valores, veiculados à toda hora pelos meios de comunicação, passa o jovem a se identificar com os mesmos, deixando de desenvolver o seu próprio potencial Construtivo, passando a desenvolver o seu potencial Destrutivo.
Absorvendo esses contra-valores, sem ter os valores formativos fornecidos pela escola, família ou sociedade, vai o jovem formando uma auto-imagem distorcida de si mesmo e da sociedade que o cerca. Nesse contexto, é fácil ver que passará a utilizar os conhecimentos obtidos na rede de ensino não para contribuir para o bem estar e o florescimento da sociedade, mas para reproduzir os contra-valores encontrados em sua vida, que o levam a agir para satisfazer os seus próprios desejos, em nome de uma liberdade doentia, aumentando a desagregação e os problemas sociais.
Assim, o fornecimento apenas de Ensino, sem Educação, deixa um verdadeiro vazio, que é preenchido pelos abundantes contra-valores existentes na sociedade. Dessa feita, mesmo que as redes oficiais de ensino sejam eficientes e bem aparelhadas, mesmo que haja igualdade social, os atuais problemas enfrentados pela sociedade não estariam resolvidos, pois o Ensino, sem Educação, apenas contribuiria para instrumentalizar e potencializar o caos reinante dentro da própria sociedade.
Dessa feita, Educar é preciso; e se é preciso, vem a questão: Quem e como Educar?
A nossa sociedade, através do legislador, achou por bem limitar o Estado em matéria de educação ao oferecimento de ensino. A sociedade, cuja família é a principal instituição, encontra-se desprovida pelas necessidades da vida e a carência de Educação, que lhe foi fornecida à menor historicamente A maior parte das instituições sociais (Com raras exceções, tais como a Igreja) estão despreparadas para educar. Então, o que fazer?
A primeira solução seria tirar as amarras do Estado. Sem falar nas dificuldades em mudar o texto legal; processo esse que levaria 10 anos, essa solução nos remeteria à um retrocesso histórico; ao ponto onde o Estado, através da Educação reproduzia a sua ideologia na sociedade. Nessa visão, assumir-se-ia que a Ideologia a ser transmitida é a necessária para manter o Estado Democrático de Direito, sendo esse o melhor. Essa solução, no entanto, conta com o malefício, como já dissemos, da transmissão de uma “ideologia oficial” e da oficialização da escola como AIE, coisa que o legislador da atual constituição pretendeu eliminar, por ter o potencial de dizimar a identidade cultural das minorias e tender, com o passar do tempo, a eliminar a pluralidade cultural.
A segunda solução é individual: cada educador, atuante na rede estatal, no seu âmbito, agiria contra a regra constitucional e passaria os valores na rede oficial de ensino mantida pela Estado. Na prática, é o que uma boa parte dos educares faz hoje. Essa solução, apesar de não ter que esperar uma mudança no texto constitucional, e ser utilizada na prática, por boa parte dos educadores, que, com orgulho propagam estar assim contribuindo para uma sociedade melhor, tem como desvantagem a passagem desigual de valores, ao sabor do educador, muitas vezes em desrespeito às comunidades a que serve, o que poderia é pernicioso, além de, ao meu ver, anti-ético e desautorizado pela legislação.
A terceira solução é deixar como está o texto constitucional e uniformizar a atuação do profissional da educação da rede pública aos ditames da Lei, passando esses a ser profissionais do ensino e não da Educação. Os trabalhos na rede de ensino estatal seriam executados dentro dos limites do texto constitucional, sendo os valores excluídos, ou vistos apenas de maneira informativa. Em sala de aula diríamos algo assim: “Determinados grupos, dentro da sociedade, agem assim, outros agem assado. A nossa sociedade, em sua maioria age assim e outras determinadas sociedades no mundo agem de outro modo”. Tudo isso sem emitir idéia de valor se um comportamento ou pensamento ideológico é melhor ou pior do que outro, tomando cuidado para que, se houvesse discussão em sala de aula, se colocasse que isso é o que pensa o grupo tal e que devemos nos lembrar que isso não é válido para outros. Esse tipo de trabalho seria interessante, valorizaria a alteridade cultural, mas seria um pouco complicado de ser feito, pois além de se correr o risco de deixar algum grupo de fora, relativisa por demais os valores sem resolver o problema da Educação.
Por fim, a solução que entendo ser mais trabalhosa, mas necessária para a sociedade brasileira, é o instrumentalizar a sociedade para complementar o processo de ensino fornecido pelo Estado, formando assim a Educação, que é Direito de todos e dever do Estado e da Sociedade:
É necessário fazer a sociedade entender que o Estado não pode e não fornecerá Educação. Ele só pode, pela Constituição, e pelas limitações físicas e orçamentárias, fornecer ensino; que é a parte mais cara e elaborada da Educação, e, já que é dever constitucional da sociedade completar o que falta (Pelo texto constitucional, se a responsabilidade é dividida, e se não é do Estado, recai essa responsabilidade, por exclusão sobre a sociedade), ela, a sociedade, cuja família é a sua base, precisa se preparar para fornecer a parcela que falta ao Ensino, que são os Valores, para que tenhamos a Educação, o verdadeiro Direito de nossos filhos. Dessa forma, é necessário instrumentalizar a sociedade para que possa fornecer os valores, formando, em parceria com o Estado, a Educação. Essa é nossa tarefa, como educadores, que, apesar de gigantesca, é facilitada, entre outras coisas, tais como o fato de que o Ensino Fundamental por Lei, ficou a cargo dos municípios, permitindo que os centros de poder decisórios estejam mais perto da sociedade a que presta serviço. Além do mais, os Planos Políticos Pedagógicos instituídos como necessidade para as escolas da rede de ensino estatal, a possibilidade de eleição do corpo diretor da instituição, os Conselhos de Educação e o Orçamento Participativo, abriram as portas para o diálogo Estado-Sociedade, o qual o educador é o elo fundamental. Esses instrumentos, se bem utilizados, podem auxiliar na modelagem do sistema de ensino (pelo menos no fundamental, que é a base para os outros) mais adequado à sociedade que serve, bem como levar a sociedade a tomar parte ativa no processo educativo, permitido as bases para uma parceria Estado-Sociedade, necessária ao fornecimento da Educação.
Nessa ótica, é necessário promover o encontro da Escola com a sociedade a que serve, encontro esse destinado a instrumentalizar essa sociedade e inserir a Escola como instrumento construtor da comunidade na qual está inserida, para que esta seja capaz de, em conjunto com os profissionais da educação fornecidos pelo Estado, lotados nas redes estatais de ensino, montar os PPPs, coordenando esforços Estado-Sociedade na execução do plano e nas ações destinadas desenvolvimento das atividades pedagógicas da instituição.

4. Conclusão:
Assim, concluímos que:
1) O uso das palavras Ensino e Educação, no texto constitucional, ao contrário do que muitos pensam, não foi feito de maneira equivocada pelo legislador, mas de maneira precisa, destinada a retirar do Estado a capacidade de utilizar a Escola como AIE (Aparelho Ideológico do Estado); garantindo a manutenção da pluralidade cultural, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
2) Devido ao equívoco de interpretação da Lei, a Sociedade como um todo entende que o Estado tem Obrigação de fornecer Educação, não assumindo o papel que lhe cabe como Verdadeira Educadora.
3) Cabe ao profissional na área da Educação trazer a Sociedade como parceira para o palco onde se desenrola a Educação, instrumentalizando-a para que cumpra o seu papel e dialogue com o Estado, formando a verdadeira Educação; sob pena de colocar em risco a estabilidade social e o Estado Democrático de Direito.
4) É necessário preparar o profissional na área de Educação para que exerça o papel de mediador entre Estado e Sociedade (Já que ele presta serviços para ambos), de tal forma a garantir a efetividade dos permissivos constitucionais e das liberdades dadas pela carta magma, permitindo assim que a Educação atinja os objetivos libertadores e de formação do cidadão voltado ao fomento do bem estar social.



Atenção: Esse texto pode ser copiado ou utilizado, em todo ou em parte, desde que cite como origem a "Página pessoal de João Henrique Lacerda Ferreira em www.jhlf.net".

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