quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

SUPERVISÃO EM PSICOPEDAGOGIA

Por Sandra Dias Simplicio. Sumário: Supervisão em psicopedagogia : apontamentos iniciais sobre atencionalidade e escuta do professor. Palavra- Chave: Psicopedagogia- Diagnóstico- Professores- Aprendizagem - Psicanálise. RESUMO: O presente artigo pretende iniciar a discussão sobre a questão da sujeição, poder e resistência, através do estudo do cuidado de si como prática da liberdade. Para tanto, utilizamos o referencial o teórico Foucault(1983)para o estudos do modo de objetivação, aliado ao discurso pedagógico e Fernández( 2012) para localizar a prática de supervisão em psicopedagogia. This article aims to initiate discussion on the issue of subjection , power and endurance, through the study of self-care as a practice of freedom. To do so, we use the referential theoretical Foucault ( 1983) to the study of objectification in order , together with the pedagogical discourse and Fernández (2012 ) to find the teachers' supervision practice in psychology . INTRODUÇÃO: Intenso e repleto de tensões, o trabalho docente muitas vezes é amparado e constituído efetivamente numa relação de hierarquia, muitas vezes de sujeição sobre o outro. Aplicados por todo corpo social, onde a escola e seus diversos representantes legais, ditam regras sobre como deve ser o trabalho educativo, há uma incorporação dos resultados dessas práticas em nosso cotidiano.No entanto, o esquadrinhamento de corpos em tempo e espaço,problematizado em estudos foucaultianos, permite-nos perceber que há uma infinidade de práticas, ordenadas e contribuintes ao as sujeitamento de professores e alunos. Vistos quase como normalidade, este sistema é capaz de formular regras e transformar as praticas docentes em movimentos alienados, obtidos a partir de um modo particular de percepção e de engendramento de conhecimentos e aprendizagens. No contexto da carreira obsessiva e do domínio geral do discurso da eficiência, as escolas, através de mais ilustres reformadores inspirados no mundo da empresa, importaram seus princípios e normas de organização de forma extremada em ocasiões delirantes, mas sempre com notáveis conseqüências para a vida nas salas de aula (Enguita, 1989, p. 125). Ou seja, somente os professores são capazes de sentir na própria vivência da carreira, os resultados da organização e transformação de seu ideal em sofrimentos. Nos últimos anos, segundo pesquisas, algumas questões se adicionam às da organização do trabalho docente. Segundo Esteve (1999), têm aumentado as responsabilidades e exigências que se projetam sobre os educadores, coincidindo com um processo histórico de uma rápida transformação do contexto social, o qual tem sido traduzido em uma modificação do papel do professor. As transformações apontadas, segundo Esteve (1999, p.31), supõem um profundo e exigente desafio pessoal para os professores que se propõem a responder às novas expectativas projetadas sobre eles. E o autor, adverte sobre as desastrosas tensões e desorientações provocadas nos indivíduos quando estes se vêem obrigados a uma mudança excessiva em um período de tempo demasiadamente curto. Para o autor, o professor está sendo tirado de um meio cultural conhecido, em que se desenvolveu até então sua existência, e está sendo colocado em um meio completamente distinto do seu, sem esperança de voltar à antiga paisagem social de que se lembra. A pesquisa sobre a insatisfação dos professores no magistério tem aparecido cada vez mais nos últimos anos, tanto no Brasil como em outros contextos. Diversos estudos mencionam o perfil dos professores em relação à carreira docente, de modo a entender como estes reagem a diferentes situações no contexto do trabalho (Elvira & Cabrera, 2004; Carlotto, 2008; Reis, Araújo, Carvalho, Barbalho & Silva, 2006; Simplicio,2010). Ao mesmo tempo, investigações atuais revelam que os professores podem ser afetados, durante o desenvolvimento de suas ações docentes, por elevado estresse, ocasionando o que a literatura reconhece como Síndrome de Burnout. Definida e garantida por diversos procedimentos legais (leis, decretos, portarias) o exercício da docência, reproduz no corpo educado as marcas validadas por um sistema de saberes. Apoiada nos regimes de verdades e sublimação a redução sutil das transgressões, prevalecem a eficácia do sistema de trabalho. Mas para que isso aconteça, o docente desenvolve diversos mecanismos de resistência como meio de defesa e não percebe o quanto o mal estar afeta sua saúde, criatividade e a atuação profissional. Ao se tratar da eficácia de um sistema educacional, podemos encontrar diversos manuais pedagógicos que são vistos como verdadeiros roteiros do discurso da verdade sobre o que deve ser feito em qualquer área docente. No entanto, a dura realidade do cotidiano, ao longo dos anos, trará muitas vezes ao professor grandes conflitos, contradições e ambigüidades sobre a docência como satisfação e desinvestimento. E mesmo insatisfeitos, muitos professores, buscam constantemente a formação continuada. Eles querem saber mais sobre como captar recursos psíquicos para continuar ensinando os alunos. Ao iniciarem a formação em psicopedagogia, muitos professores revelam a angústia. Muitos usam esta palavra para nomear e confidenciar que gostariam, por exemplo, de melhorar a atuação com alunos especiais, salas numerosas, indisciplina, controle da violência e as dificuldades acadêmicas de alunos. Naturalmente, sabemos que algumas mudanças somente podem ser efetivadas com parcerias e políticas públicas capazes de progressivamente, amparar todos os sujeitos envolvidos no processo. Penso que sem fazer referência ao contexto trabalhista, institucional onde socialmente os professores realizam seu trabalho docente, é impossível resolver questões que são fundamentais ao sistema de organização. Mas voltando a questão da demanda de processo educativo, os professores possuem o desejo de resolver todos os problemas de suas turmas.Eles já sabem que trabalhar na escola, requer muita insistência e criatividade que se diluem as tecnologias do si no trabalho. Eles sabem que há contradições no mundo do trabalho, capazes de comprometer as ideologias, aspirações, materialidade e, principalmente a autonomia docente. Gerenciar o ensino submetido a um sistema de regras endurecidas e que, combinadas ao exercício da disciplina, supõe um dispositivo que obriga o jogo do olhar; um aparelho onde técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam. (. FOUCAULT, 2000). Durante os estudos de mestrado e motivada também por minha própria experiência de vinte e cinco anos de acúmulo de cargo como professora, busquei incessantemente, compreender o sofrimento e o bem estar na profissão. Não podemos deixar de fora da sala de aula tudo o que fomos e somos e sei que cada toma para si o processo de subjetivação de um modo particular. Paralelamente, vivenciando a formação na psicopedagogia e posteriormente na psicanálise, busco proporcionar a professores um espaço que possa legitimar o conteúdo interior e que vai além das estruturas de pensamento cognitivo. Há sujeitos imbricados em relações enquanto brincam. Evidentemente, há uma série de dinâmicas presentes em diversos manuais como também uma grande referência bibliográfica e diferentes estilos de ensino do diagnóstico. No entanto, o diagnóstico deve, entre outras coisas da ordem da sensibilização,ser capaz de trazer a tona as dificuldades que impedem o sujeito de exercitar seus pensamentos e emoções no espaço aprendente. Em muitas dinâmicas de trabalho com jogos, partimos de um pressuposto de educação corporal amparada na psicomotricidade como espaço de brincar em que a imagem do sujeito é revisitada com outros olhos. Questionados se o adulto pode brincar, muitas vezes nos deparamos com professores rígidos e desconfiados. Lacan articula sua teoria do simbólico ao Real, partindo do pressuposto que um corpo pode ser pensado e estudado também, a partir de três registros fundamentais: o imaginário, do simbólico e do Real. O professor, como qualquer pessoa, é marcado por registros corporais de imagens, marcações de significantes e de gozo no Real. O sujeito é condicionado por discursos, de acordo com o laço social que assume. O gozar interessa ao sujeito e a psicanálise apresenta um gozo com ênfase na vertente subjetiva. A área do Direito, por exemplo, enfatiza um gozo com características objetivas como por exemplo ter direitos a uma posição , um cargo, um título. O direito ao gozo consiste em fazer frutificar e recolher os frutos. Ou seja, se uma pessoa possui um cargo numa instituição, passará a gozar de direitos a partir da posse deste cargo e, deverá antecipadamente ter conhecimento e qualificação para o cargo. Para tanto, compreender a linguagem e as articulações citadas exigem experiência subjetiva e entendimento que um sujeito concebido pelo Direito é outro. Conhecer a si mesmo como sujeito do gozo não quer dizer que estaremos falando do gozo obtido através do orgasmo, mas sim do gozo obtido através da linguagem e da palavra. Conhecer a si mesmo é, sobretudo, uma construção, uma caminhada singular em que cada um experimenta seus próprios caminhos de aprender. Para um professor, essa é uma tarefa muitas vezes impossível se o mesmo não se permite arriscar fazer diferente. Para elucidar meus apontamentos iniciais, irei descrever a dinâmica de uma aula de diagnóstico que consistiu no uso de alguns brinquedos de montar e de equilíbrio. Ao oferecer diversos brinquedos durante as aulas, pude inicialmente constatar a leitura de regras sobre o objetivo do jogo, questionamentos sobre a função do mesmo para determinada idade e se seria possível aplicar o jogo. Posteriormente observei que algumas condutas foram reveladas: como o professor se via jogando, a harmonia com parceiros de jogo, a expressão de mitos e crenças produtoras de discursos de de subjetivação, a desatenção reativa e muitas outras observações presentes na questão da aprendizagem do professor e sua imagem. Pude observar que ao brincar- jogar, o professor pôde modificar progressivamente seu espaço de aprender e exercitar sua potência atencional da alegria( Fernández, 2012). Para a autora, um adulto que não brinca, desenvolve pensamentos contraditórios que se sustentam em modalidades de aprendizagem. Fernández questiona onde reside sua capacidade de pensar dos adultos. Os apontamentos iniciais desse trabalho confirmam que a construção de um espaço de subjetivação saudável deve ser inerente a formação da docência. A escola precisa abrir espaços de aprender a escutar. Brincar é um excelente caminho para isso e os espaços de formação docente devem abarcar toda a pessoa: sua afetividade, sua imaginação, suas fantasias, suas inibições, quer dizer, sua subjetividade(Fernández,2012) Para isso coloquemo-nos em ação com nossa potência criativa porque a identidade de cada um pode ser forjada pelo outro, mas num dado momento poderemos sim escolher sermos diferentes e não apenas aceitar o poder da docilização. Uma linguagem pode tomar o rumo que o sujeito quiser se este puder assumir-sena posição de sujeito pensante e cuidador de si mesmo. As sessões de psicopedagogia conduziram os professores em formação para um outro local: o local do sujeito aprendente de si. Estas sessões permitem ao professor em formação , deslocar as concepções cristalizadas para o centro das atenções.Não pensamos ser esta uma tarefa fácil mas a psicopedagogia, proporcionou –nos espaços para pensamentações e transformações do ato de pensar a si mesmo muito além do poder- saber. Não aprendemos a exercitar a escuta apenas imitando o ato de ouvir o outro, nem mesmo de falar apenas aprendendo a imitar a fala de alguém. Precisamos sentir em nosso íntimo o sujeito brincante. Somente assim, poderemos avançar posteriormente em ações de prevenção as nossas desatenções e aprisionamentos de sentidos para a necessária atencionalidade. O espaço de jogar pode servir de possibilidade para não somente pensarmos cognitivamente a criatividade, mas criar algo diferente com um jogo, diferente das regras e manuais de prescrição. Por que pensar é criar algo novo a partir daquilo que o outro nos dá( Fernández,2012). A título de exemplo, irei descrever parte de uma sessão, onde utilizamos quebra-cabeças em 3 D - dinossauros:“Solicitei a dezesseis professores que organizassem grupos para montagem de alguns dinossauros de edição de colecionador. No folheto em anexo havia uma descrição numerada para facilitar o trabalho de montagem. No entanto, não o fizemos da maneira tradicional. Simplesmente, deixei o livre desejo de formarem equipes e discutirem a melhor forma de montarem o dinossauro, observando o exercício de parceria. Pensar, discordar, resolver o conflito do dinossauro que não ficava fixo na coluna cervical, provocou nestes professores, uma forma de equilibrarem forças, pois não possuíam cola ou outro material para montarem o brinquedo com precisão. Houve aqui um espaço de criação, alimentada por aquilo que Winnicott chama de vínculo entre o viver criativo e viver propriamente dito. E o dinossauro tornou-se uma obra de arte de muitas mãos. Estes puderam, inevitavelmente rir, brincar e errar. Sim, eles erraram, ao colocar emas pernas invertidas em outra extremidade. E subitamente ele foi montado assim mesmo. Parece importante, referir- me aqui a uma dificuldade esperada que trata-seda tensão e o medo de não conseguir montar o dinossauro. Proponho-me agora a analisar o momento a partir do ângulo da transicionalidade. Winnicott apresentou em seu estudo psicanalítico três espaços psíquicos. O interno, o externo e o transicional, sendo o último uma zona intermediária, capaz de ir do narcisismo primário ao julgamento da realidade. Winnicott acredita que a liberdade de criação tanto na infância como na vida adulta pode ser vivenciada através de experiências do brincar. Para tanto, o professor precisa deixar de pensar que o ato de ensinar reside apenas no esvaziamento do sensível, na manutenção da ordem, na regularidade e principalmente na homogeneidade do ensino. É preciso compreender que há um saber, perfeitamente articulado, pelo qual, falando propriamente, nenhum sujeito é responsável( Lacan,1980) Há também um território de encantamento coletivo na relação humana. Ao formarem equipes, não esperavam os professores pelo inesperado. Havia uma condição estabelecida por mim: desfazer-se das regras absolutas. Foi preciso escutar o desejo do outro, experimentar opiniões, encontrar um saída para que as ações se mobilizassem de forma harmoniosa. Arriscar-se as provocações e aproximações do inesperado. Deixamos de lado o apropriado e experimentamos a delicadeza das formas de um dinossauro de 52 peças. E brincar pareceu-nos simples? Não !Está em jogo a função do potencial criativo do professor, o imaginário, o simbólico e o Real. CONCLUSÃO: Os professores não podem apenas ser interpretados como limitados em suas capacidades ou possibilidades reflexivas, como vítimas de contradições das quais devem ser libertados ou como se confundissem o ensino e sua trama com o que vivem entre quatro paredes de sua sala de aula(Contreras, 2010). A escola continua depositando na pessoa do professor o sujeito da certeza, capaz de unificar interesses e perspectivas. Há uma linha tênue entre compromisso social com a profissão, eficácia e normatização. Por outro lado, está em jogo a luta diária por uma vida mais justa e igualitária e muito mais participativa socialmente. O professor precisa também aprender a cuidar de si. A psicopedagogia pode proporcionar ao professor, um espaço de ressignificação de saberes e práticas, produzindo no sujeito sentidos de alegria de aprender a ser e fazer diferente, superar mais seus medos e contradições. Seria importante, também realizar estudos psicanalíticos para compreensão do sujeito da psicanálise. Como vimos ao longo deste breve artigo, perceber que um simples quebra-cabeças de dinossauros pôde contribuir imensamente com nossa posição de ensinante e de aprendente, revela o que Mrech(1999), aponta em sua obra de cunho lacaniano: “o imaginário confere uma aparência de ser ao sujeito. O sujeito adere a imagem apresentada. Toma-a como real” É preciso saber que o imaginário de cada um confere a aparência de ser ao sujeito, as imagens podem nos enganar, mas haverá cedo ou tarde sempre um encontro com o Real. É possível observar no sentido do diagnóstico, que jogo de quebra-cabeça possui vários objetivos como desenvolver a atenção, o pensamento lógico, as habilidades motoras e principalmente a observação, comparação análise e síntese. No entanto, o psicopedagogo, me parece muito interessante, principalmente que o mesmo vivencie em seu âmbito e estilo de trabalho o enquadre a serviço também no foco da palavra do professor, perceber o significado e o significante dado pelo sujeito as palavras. Não podemos evitar o sofrimento ou recalcá-lo apenas. Precisamos elaborar a escuta e trabalhar o sofrimento para que continuemos a enfrentar as vicissitudes da vida. Considero importante ressaltar a busca por capacitação e supervisão para uma efetiva proposta diagnóstica interventiva, buscando o estudo prático e teórico. A escolha e uso de brinquedos como citados neste artigo, fazem parte de meus estudos com brinquedoteca escolar da EMEI Sergio Cardoso, estilos de brincar na infância e aportes teóricos amparados na teoria de Winnicott e no suporte da psicanálise lacaniana. Bibliografia: REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS AJURIAGUERRA, J. de- Manual de psiquiatria infantil. Tradução de Paulo Cesar Geraldes e Sonia R. Pacheco Alves. Editora Masson. 1980 CONTRERAS, José- A autonomia dos professores- Editora Cortez,2002 EMEI SERGIO CARDOSO- PEA 2015- A criança sua linguagem ea cultura lúdica- SMESP FERNÁNDEZ, Alícia- A atenção aprisionada- Psicopedagogia da capacidade atencional- 2012- Artmed Editora . ENGUITA, M.F. (1989). A face oculta da escola. Educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas. ESTEVE, J. M. O Mal-Estar docente. Lisboa: Escher, Fim de Século, 1992. FOUCAULT. Vigiar e Punir- Editora Vozes, 1975 LACAN, Jacques. A relação do objeto, Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1995 MRECH, L. M. Psicanálise e Educação , Pioneira Editora,1999 MRECH, L.M. . Frida Khalo- Mais além do próprio sofrimento- EBPSP 2015 WINNICOTT, D. W- O brincar e a realidade. Editora Imago 1985 SIMPLICIO, Sandra Dias - Estudo sobre a relação trabalho e saúde de professores da rede pública municipal de São Paulo- 2010 UNIFIEO- Dissertação de Mestradoem Psicologia Educacional Publicado em 01/12/2015 Currículo(s) do(s) autor(es): Sandra Dias Simplicio - (clique no nome para enviar um e-mail ao autor) - Professora titular de escola municipal de educação infantil na PMSP; Pedagoga; Psicomotricista; Psicopedagoga Clínica e Institucional; Mestre em Psicologia Educacional UNIFIEO Osasco São Paulo; Supervisor de Psicopedagogia. Acesso em http://www.psicopedagogia.com.br/

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