ELANE SANTA ROSA POUBEL
Licenciada em Letras pela Faculdade Gama e Souza
“Uma vez, um homem desenterrou em seu campo uma estátua de mármore de grande beleza. E levou-a a um colecionador que amava todas as coisas belas, e o colecionador comprou-a por um alto preço. E separaram-se. E enquanto o homem voltava para casa com seu dinheiro, pensou e disse consigo mesmo:” “Quanta vida este dinheiro representa! Como pode alguém dá-lo por uma simples pedra esculpida, morta e ignorada no seio da terra por um milhar de anos?” Entretanto, o colecionador estava olhando para a sua estátua e pensando, e disse consigo mesmo: “Que beleza! Que vida! Que sonho de grande alma! – e fresca com o suave dormir de um milhar de anos. Como pode alguém dar tudo isso por dinheiro, morto e sem sonhos?” (Gibran Khalil Gibran).
INTRODUÇÃO
O Tema deste trabalho monográfico foi escolhido por ser o adjetivo uma categoria gramatical que atribui qualidades ao substantivo, destacando-o dentre os de sua espécie num dado discurso.
A Monografia aqui desenvolvida implicou uma pesquisa em diversos autores consagrados no âmbito dos estudos gramaticais. Assim, foram analisados Said Ali, Celso Cunha e Evanildo Bechara, cujas informações a respeito da categoria ‘adjetivo’, foram confrontadas para que se chegasse a um consenso conceitual.
Coube também um estudo em termos filosóficos em que buscou-se em Aristóteles uma análise do tema desta pesquisa.
Cada um dos autores supracitados conceitua o adjetivo, de forma diversa, mas são unânimes em considerá-lo como satélite do substantivo, para o qual dando-lhe o nome de ‘determinante’, e para o núcleo substantivo, o de ‘determinado’. Cabe, então, ao determinante caracterizar o determinado de acordo com as necessidades do discurso.
Além desta forma categorial, fez-se referência à locução adjetiva, cuja estrutura é formada de um núcleo substantivo. Como a relação com outro substantivo é feita por intermédio de preposição, considerou-se esta categoria como um transpositor sintático, por fazer a transposição de uma categoria substantiva a uma categoria adjetiva.
No final deste trabalho, fez-se uma análise de um texto literário, com base nas noções de estilística da língua, de Charles Bally, que valoriza as categorias da gramática, de acordo com as suas disposições no texto e de seus valores semânticos que adquire em cada passo do processo de sua elaboração.
Para tal análise, escolheu-se um fragmento de texto do primeiro capítulo, intitulado, Cenário, da obra “O Guarani” de José de Alencar para uma análise do emprego dos adjetivos no decorrer do processo descrito do autor.
Nesta ocasião, chamou a atenção da autora deste trabalho, o emprego de verbos com características adjetivas, já que, por meio deles, ’visualizam-se as ações que se sucedem.
Chega-se à conclusão da importância do estudo do adjetivo, desprezado por alguns críticos, como uma categoria que apenas preenche o vazio de uma elocução. Nas referências, estão as fontes onde se foram buscar as informações que auxiliaram, em muito, a elaboração deste trabalho.
2. DA NECESSIDADE DAS CONCEPÇÕES GRAMATICAIS.
Como qualquer outro conceito, o que se refere ao adjetivo apresenta semelhanças e divergências, dependendo do autor, de acordo com o seu ponto de vista, sobre a função do elemento gramatical conceituado.
Foram pesquisadas três gramáticas consagradas na área de língua portuguesa: a de Saíd Ali, a de Celso Cunha e a de Evanildo Bechara. Preferiu-se partir da mais antiga para a mais atual, observando-se a ordem acima definidas, a fim de se realizar as comparações que se fizerem necessárias, no decorrer do desenvolvimento deste trabalho.
Said Ali, na Gramática secundária da língua portuguesa (1966, p. 50), diz que o adjetivo “é a palavra que se junta ao substantivo para denotar qualidade, propriedade, condição ou estado do respectivo ser”. Como exemplos de cada característica citada pelo autor, as frases abaixo têm o objetivo de “denotar” estas mesmas características em relação ao substantivo, que ele designa “ser”.
1. Qualidade: “Cavalo fogoso e veloz.”.
“Jardim grande e bonito.”
2. Propriedade: “Pedra dura.”.
“Madeira resistente.”
3. Condição ou estado: “Dia quente”.
“Homem bondoso e infeliz.”
Cabe, aqui, analisar essas características, de acordo com os exemplos citados. Os adjetivos que denotam qualidade apresentam uma tênue diferença com as que denotam condição ou estado. Em 1, fogoso e veloz, são qualidades do animal que podem pertencer à sua própria natureza ou, ao contrário, serem temporárias. Neste caso, podem ser consideradas qualidades situacionais como as do exemplo 3: bondoso e infeliz. Neste último exemplo 3, é possível que uma pessoa seja de natural’, bondosa e infeliz, e nada impede serem consideradas qualidades próprias do “ser”, como, opostamente, qualidades temporárias.
Ainda com referência a 3, quente é caracteristicamente um adjetivo de situação, por ser evidente que nem todos os dias têm a mesma temperatura. No que concerne ao item propriedade, exemplo 2, o adjetivo dura e resistente são inerentes ao “ser”, isto é, à sua substância, como o é o adjetivo frio, em gelo frio.
Celso Cunha, na sua gramática, sintetiza a definição do adjetivo, dizendo ser ele “essencialmente um modificador do substantivo.” Para consolidar a sua teoria, acrescenta que o adjetivo “serve para caracterizar os seres, os objetos, ou as noções nomeadas pelo substantivo”. Justificando a sua afirmação, formula os seguintes exemplos: 1
Adjetivo como caracterizador:
1. de uma qualidade: “Inteligência lúcida”
“Homem perverso”
2. do modo de ser: “Pessoa simples”
“Rapaz delicado”
3. do aspecto ou da aparência: “Céu azul”
“Vidro fosco”
4. - do estado: “Casa arruinada”
“Laranjeira florida”
Da mesma forma que em Said Ali, a caracterização do adjetivo por Celso Cunha, embora menos conflitante, ainda assim apresenta limites pouco definidos entre qualidade e estado. Por exemplo, lúcida, pode ser uma qualidade permanente ou temporária, desde que, por várias razões o “ser” perca a sua lucidez, por um estado de enfermidade. Como temporária, estaria inclusa na caracterização de estado ou de situação.
Ainda, segundo palavras do autor, o adjetivo estabelece também com o substantivo uma relação de tempo, de espaço, de matéria, de finalidade, de procedência.
1. nota mensal (= nota relativa ao mês)
2. movimento estudantil (=movimento feito por estudantes)
3. casa paterna (= casa onde habitam os pais)
4. vinho português (=vinho proveniente de Portugal)
Acrescentam-se às observações feitas pelo Autor, de maneira óbvia, a característica relacional entre o substantivo e o adjetivo. Nos exemplos:
1. Tem-se uma relação temporal
2. A relação indica finalidade, neste caso, há necessidade de se ter em mente o substantivo (movimento ou sua antítese, como parada) que se antepõe ao adjetivo, sem o qual não haveria identificação da relação de finalidade.
3. Neste caso, a relação de procedência é indiscutível.
4. Da mesma forma que em 3, português, como adjetivo, também, no contexto dado pelo Autor, indica procedência. Configura-se, no caso, uma correspondência ideativa entre os dois exemplos.
Segundo o gramático Evanildo Bechara, o adjetivo
[“...] é a classe de lexema, que se caracteriza por constituir a delimitação, isto é, por caracterizar as possibilidades designativas do substantivo, orientando delimitativamente a referência a uma parte ou a um espaço do denotado”. 2
Em outras palavras, pode-se dizer que Bechara considera o adjetivo um determinador de “parte” ou de “espaço” do substantivo denotado. No entanto, pode-se afirmar, de uma maneira mais explícita, que o adjetivo determinante delimita a extensão do substantivo denotado, mas, por outro lado, confere a ele maior compreensão. O que se quer dizer é que delimitação não é um opositor da compreensão.
Pode-se observar, no exemplo abaixo, a veracidade desta informação:
“A polícia procura um homem”. (Sem delimitação; sem compreensão.).
O substantivo ‘homem’ está empregado num sentido de ‘elemento da espécie humana’; sem nenhum termo adjetivo que o delimite no espaço, portanto, a compreensão que se tem do substantivo ‘homem’ é indeterminada, por ser ampla no campo semântico. Por outro lado, ao se dizer que:
“A polícia procura um homem alto” (Com delimitação)
Já se tem ‘alguma compreensão’, em razão de traços qualificadores com os quais se identificou o substantivo denotado. Neste caso, “A polícia” (sujeito) não procurará todos os homens, mas só os de determinada estatura. Enquanto houver a inclusão do determinador ‘alto’, haverá a exclusão do determinador oposto ‘baixo’, e é pela seleção léxica que se vão dar as características intelectivas do substantivo. Neste exemplo, aumentou a limitação do denotado, porém, foram acrescidos a ele, detalhes que o tornarão único dentro do contexto em que vier inserido. Apenas, para deixar evidente a função do determinador adjetivo, um outro exemplo comprovará a argumentação acima:
“A polícia procura um homem alto e gordo.” (Diminui mais ainda a extensão; aumentou em maior grau, a compreensão.).
Neste exemplo tem-se uma informação mais explícita do substantivo denotado, cujas características informativas foram agregadas por intermédio dos determinantes ‘alto’ e ‘gordo’, ao atribuir ao substantivo, maior compreensão.
Deste modo, considera-se o adjetivo um elemento categorial informativo e não somente qualificador. Como determinante informativo, também faz um papel de dêitico em relação ao sujeito da oração “A polícia”, quando acrescenta indícios ao substantivo denotado.
Quando se comparam os três autores Said Ali, Celso Cunha e Evanildo Bechara pode-se observar que eles se referem ao adjetivo como caracterizador dos seres ou das coisas, embora o primeiro, em sua definição, procure ser mais sucinto, utilizando-se de termos mais abrangentes, diferentemente dos demais que se utilizam de expressões mais complexas.
1 CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo, 3 ed. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2007.
2 BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa, 37. ed. 16. reimpressão. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006, p.143.
Nenhum comentário:
Postar um comentário