Maria Portes Torres- mportes@oi.com.br
Mestre – UFF.
INTRODUÇÃO:
Investigamos nesse estudo as políticas públicas de educação e formação de professores no Município de São Gonçalo/RJ no que diz respeito à oferta de educação que contemple a diversidade e a inclusão dos alunos com necessidades especiais. Neste estudo, analisamos a questão da formação de professores frente às políticas de educação inclusiva e a sua implementação na escola por intermédio de seus projetos, investigando a ação docente para o entendimento das práticas pedagógicas no cotidiano da Escola Municipal Almirante Alfredo Carlos Soares Dutra/ São Gonçalo.
Entrevistamos dois gestores da Secretaria de Educação do Município e gestores e professores da escola, além da observação e análise de alguns documentos internos, em 2008.
A pesquisa teve como objetivos analisar tanto as políticas públicas de educação quanto a de formação de professores do Município São Gonçalo/RJ e a sua implementação pela escola em relação à cultura pedagógica da equipe escolar, no que se refere ao ensino e a aprendizagem dos professores, e dos alunos com deficiência incluídos, em prol da transformação dessa cultura escolar instituída na perspectiva da educação emancipadora e inclusiva.
O estudo fundamenta-se no pensamento crítico de autores como Adorno, Costa, Crochík, dentre outros. Os procedimentos da pesquisa referem-se às análises dos dados obtidos por intermédio de entrevistas semi-estruturadas e observação in lócus em relação à educação de alunos com necessidades especiais.
Nessa análise, contemplamos questões como: os conteúdos priorizados para cada etapa de ensino consideram a diversidade dos alunos?; Há preocupação em discutir, analisar, adequar e/ou modificar o currículo escolar para atender às necessidades especiais dos alunos com deficiência?; A metodologia de ensino adotada no cotidiano escolar contempla a inclusão de alunos com necessidades especiais?; A formação dos professores atende aos desafios postos à inclusão de alunos com necessidades especiais nas salas de aula?
DESENVOLVIMENTO:
Considerando a trajetória de exclusão das pessoas com deficiência traçamos uma abordagem histórica, filosófica e legal sobre o tema, contemplando as políticas públicas de educação e de formação de professores para o atendimento da pessoa com deficiência e as contradições na efetivação das mesmas pela escola. Para tal, é necessário compreender as relações de poder existentes nas esferas sociais, os quais introduzem comportamentos e atitudes determinadas induzindo as pessoas a discriminação e a segregação daqueles considerados diferentes, como é o caso dos alunos com deficiência ou que apresentam dificuldades de aprendizagens.
Logo, reconhecer o estar envolto em uma teia social é o primeiro passo no enfrentamento dos desafios do cotidiano escolar, vivenciando valores na sua maneira de ser e de conhecer o mundo. O diálogo e a problematização sobre as questões presentes na sala e demais espaços da escola devem ser temas centrais na pauta dos professores e gestores educacionais, uma vez que tanto os professores como os alunos encontram-se em situação de aprendizagem. Situação essa que deve ser trabalhada de forma a não privar nenhum aluno do convívio escolar, independente de suas diferenças físicas, sensoriais ou cognitivas. Por isso, é necessário pensar a escola como espaço de participação de todos os professores, alunos e gestores.
O fazer na escola, que possibilite trabalhar a diversidade, deve refletir o pensar e o fazer docente dos professores, desafiando suas possibilidades em prol de novas leituras, contribuindo para entender a organização da escola em seus diversos níveis e modalidades de ensino e a importância de sua reestruturação e adequação para atender todos os alunos.
Assim, no entendimento das ações dos profissionais da educação, suas contradições, desafios, interrogações e redefinição nas práticas docentes, é possível pensar na formação voltada para a emancipação de todos, pois, de acordo com Adorno (1995, p.151):
(...) aquilo que caracteriza propriamente a consciência é o pensar em relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre as formas e estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este não é. Este sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é apenas o desenvolvimento lógico formal, mas, ele corresponde literalmente à capacidade de fazer experiências. Eu diria que pensar é o mesmo que fazer experiências intelectuais. (...) a educação para experiência é idêntica à educação para emancipação.
Nesse sentido, os trabalhos dos professores devem priorizar as ações reflexivas, por viver experiências não apenas nas atividades de sala de aula, mas também contemplar a compreensão do contexto histórico no qual se insere a escola compartilhando as experiências de vida de seus alunos. Ou seja, refere-se ao pensar do professor para além da sala de aula, para viver experiências para além dos conteúdos curriculares. Precisamos pensar na educação como possibilidade de questionamentos e outras perspectivas para além do cenário de exclusão em que se encontra significativa parcela da população escolar.
Como afirma Giroux (1997, p. 163) “(...) a reflexão e ação críticas fazem parte do projeto social de ajudar os estudantes a desenvolver uma profunda e permanente fé na luta para superar as injustiças econômicas, políticas e sociais, e se humanizarem como parte desta luta”.
Um projeto de educação crítica pressupõe ação reflexiva, política pensada por toda equipe da escola, mas, principalmente, pelos professores. Como afirma Adorno (1995, p. 121) “A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica”. E neste ponto, Giroux (idem) é muito objetivo “(...) tornar o pedagógico mais político significa inserir a escolarização diretamente na esfera política”. Por isso, é imprescindível que a equipe escolar repense os programas oficiais, como o currículo, por exemplo e também as ações desenvolvidas pelos professores. Esse pensar nos reporta à importância de entender as escolas como “locais socialmente construídos de contestação.” (Giroux, p. 204), ou seja, a escola é considerada como um espaço de reprodução da ideologia dominante, mas, pode e deve ser um espaço de contestação, de construção, de transformação em uma perspectiva democrática.
Pensar em perspectiva democrática requer pensar em educação para todos e para a inclusão. Isso nos remete a dois momentos fundamentais na trajetória da educação para inclusão: a Conferência Mundial sobre Educação para Todos/UNESCO , realizada em 1990, em Jomtien na Tailândia, da qual o Brasil é signatário. Nessa Conferência foi proposta a constituição de um sistema educacional para inclusão; e, a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada em 1994, em Salamanca (Declaração de Salamanca e suas Linhas de Ação), na Espanha – que dispõe sobre princípios, políticas e práticas sobre educação inclusiva, adotando o termo necessidades educacionais especiais com a proposta de igualdade de oportunidades para alunos com deficiências e/ou necessidades especiais. Seguindo a trajetória legal apresentamos como suporte de estudo, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394 de 1996, O Plano Nacional de Educação (2001) e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Especial na Educação Básica (2001), entre outros.
A escola como espaço de formação necessita discutir sobre essas políticas e pensar as diferenças como possibilidades de troca, de crescimento pessoal, humano e não como impeditivo “(...) para o acesso e permanência na escola pública, desde que essa esteja equipada com os recursos didático-pedagógicos específicos e profissionais da educação para lidar com a diversidade dos alunos, atuando na perspectiva de educação democrática”, Costa (2008, p. 4). No entanto, um dos entraves para as escolas públicas está exatamente nas condições de precariedade de recursos materiais e humanos que contemplem ações dos professores quanto à inclusão de alunos com necessidades especiais. É o caso, por exemplo, do nosso objeto investigativo.
A Escola Almirante Alfredo Carlos Soares Dutra atende 1500 alunos, ofertando o Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos, atende os alunos em três turnos. Tomamos como base de estudo o primeiro seguimento do ensino fundamental, prioritariamente a segunda etapa do primeiro ciclo (1ª série, ou 1º ano), em razão do quantitativo de alunos com necessidades especiais nessa turma, a saber: um aluno com baixa audição, um aluno com visão bem reduzida, um aluno com síndrome de down. Nos deteremos nessa classe para análise dos trabalhos desenvolvidos com o aluno com Síndrome de Down, que chamamos nesse estudo de Rafael.
Como se sabe, a Síndrome é fruto de uma alteração genética que compromete o processo de aprendizagem, tornando-o mais lento, o que requer dos professores e da família uma disposição quanto ao seu tempo de aprendizagem, diferentemente das fases de construção do pensamento definidos por Piaget (1996) e requer ainda diferentes formas para estimular todos os sentidos como suporte para aprendizagem da leitura e da escrita.
O Rafael tem onze anos de idade e o seu processo de leitura e escrita ainda não se concretizou, seja pela falta de adaptação curricular, seja pela inadequada intervenção educativa da escola que propicie um melhor desenvolvimento da aprendizagem do Rafael. Como afirma a professora dessa classe não se sentir preparada para esse desafio, estaria estabelecido, assim, o preconceito? E como lidar com ele? Crochík (1997, p. 25) nos apóia nessa reflexão, afirmando que:
(...) o antídoto do preconceito está na possibilidade de experimentar, sem ter a necessidade de se prevenir da experiência pela ansiedade que ela acarreta, assim como na possibilidade de refletir sobre si mesmo nos juízos formados através da experiência.
A resistência dos professores em viver experiências com a diferença contribui para que o preconceito aumente ainda mais com os alunos com deficiência. É necessário e urgente ação reflexiva dos profissionais da escola no enfrentamento dessas dificuldades rumo à garantia dos direitos de todos os alunos.
Pelo estudo realizado, podemos afirmar as dificuldade dos profissionais da escola para efetivar suas ações em relação ao atendimento dos estudantes com necessidades especiais e a importância de uma constante revisão quanto suas práticas inclusivas. E ainda a aceitação ou negação da diferença são determinadas pelas suas concepções de homem que retrata o discurso hegemônico de uma sociedade excludente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A educação dos alunos com necessidades especiais pautada nos objetivos da inclusão compartilhados pela sociedade brasileira como proposta pelos documentos oficiais e comprometida com uma educação para todos, demanda um sistema de ensino que contribua para a organização de escolas que valorizem as experiências de professores e alunos, conviva com a diversidade humana e promova a solidariedade. No entanto, sabemos que Leis, Declarações Nacionais e Internacionais por si não garantem a efetivação de uma educação para todos, uma vez que a contemporaneidade tem-se caracterizado pelas relações de produção e de consumo, permeando as relações sociais, nas quais o mercado ilude a todos prometendo (e não realizando) o ideal de igualdade e liberdade.
No entanto, a busca por essa igualdade em termos educativos e inclusivos, no contexto da escola, demanda um movimento permanente de toda a equipe pedagógica. Esta deve estar comprometida com os alunos, revendo os meios adotados no ensino, as atitudes docentes e as estratégias pedagógicas de atendimento às necessidades especiais dos alunos em seu processo de aprender. Constantemente nos defrontamos com situações complexas no interior da escola, sendo esta considerada, de acordo com Crochík (apud Costa, 2005, p.7) como “a instância por excelência para transmitir os conhecimentos em nossa época, por mais que os meios de comunicação de massa pressionem-na para que ela seja um deles”.
Tal movimento exige um comprometimento de toda equipe educacional em consonância com as demandas culturais, políticas e sociais do contexto escolar. Dessa maneira, a equipe da escola poderá prever em seus projetos a melhor maneira de atender às necessidades especiais dos alunos, valorizando sua aprendizagem para “a superação das desigualdades e para a afirmação da possibilidade da existência de uma sociedade justa e humana”, como afirmado por Costa (2005, p. 4).
Assim, é importante analisar a realidade das escolas públicas no que se refere aos seguintes aspectos: acessibilidade física e de mobiliário, recursos pedagógicos, programas de formação dos profissionais da educação, dentre outros demandados no processo educativo de alunos com necessidades especiais.
Concluindo, as categorias de análise consideradas neste estudo sinalizam para consenso entre os professores sobre a importância da inclusão. Embora esses argumentem não acreditar na inclusão da forma como acontece na escola. Mas, sim apenas pela determinação legal, em razão da diversidade dos alunos “especiais” da escola, a falta de conhecimento de como atender às necessidades educativas especiais dos alunos, a não adequação da escola nos aspectos da acessibilidade arquitetônica. O consenso também se estabeleceu quanto à oferta de formação continuada oferecida pela Secretaria Municipal de Educação que não atende às particularidades da escola, evidenciando assim uma preocupação em ter respostas prontas de como lidar com as necessidades educativas especiais dos alunos, uma vez que a formação continuada de professores oferecida apresenta mais os aspectos gerais quanto à inclusão e não as particularidades pedagógicas da escola.
Ou seja, as políticas públicas de formação do professor precisam nascer no chão da escola, observando as possibilidades de sua implementação, tendo como objetivo central o de construir a identidade da escola na perspectiva da educação inclusiva.
Mais uma vez reafirma-se a importância da reflexão do professor sobre a sua prática como elemento constitutivo das políticas públicas de formação. Pois, é por meio da reflexão crítica que se desvelarão os espaços de tensão a serem ocupados por todos.
No entanto, é necessário que a reflexão possa contribuir tanto para o enfrentamento e superação dos limites impostos à educação inclusiva, quanto para a construção de alternativas, e essas necessariamente, devem estar fundamentadas em bases teóricas e epistemológicas democráticas. Dessa forma, é possível pensar em ações autônomas por parte dos professores, condição necessária ao redimensionamento de suas práticas pedagógicas.
REFERÊNCIAS
ADORNO, T. W. Educação e emancipação. São Paulo, Paz e Terra, 1995.
BRASIL. Convenção de Guatemala. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Decreto n.º 3956, de 08 de outubro. Brasília, DF, 2001
_______. Declaração de Salamanca e suas Linhas de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília, CORDE, 1994
_______. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
COSTA, V. A. da. Formação e Teoria Crítica da Escola de Frankfurt: trabalho, educação, indivíduo com deficiência. Niterói, RJ, EdUFF, 2005.
CROCHÍK, J. L. Preconceito, indivíduo e cultura. São Paulo, Robe Editorial, 1997.
GIROUX, H. Os professores como intelectuais. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.
Nenhum comentário:
Postar um comentário